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Quem come arroz com feijão não morre de fome



Autor: Evaldo Costa

 

Você já se deparou com alguma situação em que optou por algo sofisticado e se arrependeu? Já comprou um celular de última geração que tira fotos, filma, grava, reproduz músicas em mp3, acessa a Internet e muitas outras novidades e acabou não usando todos os recursos? Conhece alguém que coloca uma calculadora financeira HP sobre a mesa e não consegue fazer mais que as quatro operações básicas? Já comprou um computador, um palm top ou mesmo um software de última geração e acabou não usufruindo os recursos? Se você respondeu afirmativo a pelo menos uma das questões acima não se preocupe, pois será apenas mais uma pessoa diante de milhões que vê a sofisticação como sinônimo de solução.

 

Ao longo desses meus muitos anos em consultoria percebo que muita gente prefere encontrar uma desculpa sofisticada para explicar o fracasso a arrumar um meio simples para alcançar o sucesso. Recentemente fui convidado a reestruturar a área de vendas de uma empresa. A equipe garantia que a falta de recursos tecnológicos (computador e software) adequados era o motivo da baixa produtividade. Eu não disse nada, apenas observei que não havia nenhuma ação – ainda que executada manualmente – de apoio, que pudesse justificar os argumentos apresentados. Ora, eu me indagava: como eles poderiam estar se queixando da falta de algo sofisticado se não usavam os recursos básicos?

 

O que ocorreu de fato é que alguns membros da empresa haviam tomado conhecimento que o seu concorrente havia disponibilizado computadores e um software de apoio para toda a equipe comercial. A namorada de um deles trabalhava na empresa concorrente que adotou a solução e afirmava que as vendas haviam melhorado substancialmente após o incremento tecnológico. Claro que o seu namorado encarregou-se de diagnosticar e espalhar que a falta de investimento em TI levaria a organização à bancarrota. Aliás, havia gente que já estava preocupada em conseguir um novo emprego.

 

A empresa que me contratou estava prestes a assinar o pedido de compra dos equipamentos e do software. Eu os adverti: fazer o investimento seria interessante, mas poderia não ser a solução para o aumento das vendas. A razão era simples: se a equipe não estava fazendo o “dever de casa” com os recursos disponíveis, dificilmente o fariam somente por torná-lo moderno. Mesmo assim, a direção optou em investir.

 

Um ano mais tarde fui convidado a retornar a empresa para fazer um novo diagnóstico, já que as vendas haviam despencado. O fato foi que os vendedores ficaram inicialmente motivados com os novos recursos que logo deixaram de ser novidades e ao invés de eles usarem, por exemplo, os mecanismos da Internet para prospectar e vender seus produtos acharam mais divertido usá-lo para ver fotos eróticas e trocar mensagens espirituosas.

 

Quer outro exemplo? Fui convidado para fazer uma palestra em um belo hotel na região serrana do Rio. A estrutura era maravilhosa. No restaurante – extremamente bem decorado – havia um pianista ao fundo tocando música clássica. A iluminação a luz de velas dava o tom de requinte ao ambiente. Eu realmente estava feliz e apreciando muito estar ali. No entanto, algo me preocupava: o motor do meu carro estava falhando e eu temia haver problemas em meu retorno para casa. Eu sabia que não havia oficina aberta na cidade naquela tarde de sábado e, no domingo nem pensar. Ainda assim, fui até a recepção a fim de checar o assunto. Como eu esperava a recepcionista não tinha nenhuma dica que pudesse me ajudar. Todavia, o carregador de malas ouviu o meu problema e disse que o mecânico de uma oficina autorizada era seu vizinho. Ele se prontificou a acompanhar-me até ele, após a sua jornada de trabalho.

 

Sem muita opção, aceitei. O caminho era de terra e sinuoso e eu tinha que ficar o tempo todo desviando dos buracos. Depois de algum tempo, chegamos à casa do mecânico Rafael. Era uma residência simples com um imenso quintal onde havia um grande varal com roupas estendidas e alguns cachorros, que logo que nos viram, vieram a toda velocidade latindo. Ele não estava, mas a sua esposa disse que poderíamos encontrá-lo no bar ao lado. Nem foi preciso procurá-lo, pois ele viu a movimentação e veio ao nosso encontro.

 

Muito atencioso, Rafael nos convidou para entrar e tomar um cafezinho. Agradecemos e explicamos que precisava voltar para o jantar no hotel. Gentilmente, apanhou a caixa de ferramentas e retirou um aparelho. Em poucos minutos meu carro estava funcionando perfeitamente. Perguntei o preço, mas ele se recusou a cobrar dizendo que foi um ajuste simples. Expliquei que eu admirava seu gesto, mas não poderia aceitar. Afinal de contas, ele sanou o problema no motor e era justo receber pelos serviços prestados. Mas, mesmo assim, ele se recusou terminantemente a receber a recompensa e o máximo que admitiu foi que eu lhe pagasse uma cerveja no bar ao lado.

 

O boteco era muito simples, as pessoas humildes, mas o calor humano: indescritível. Bebemos, cantamos e batucamos por horas a fio. Fazia tempo que eu não me divertia tanto. Retornei daquele fim de semana muito mais encantado com a simplicidade daquelas pessoas do que com a sofisticação do hotel. O fato é que muita gente subestima a coisa simples em detrimento a sua própria felicidade. Retornando da viagem, fui ao Maracanã com amigos assistir ao jogo Botafogo versus Fluminense. A partida foi disputadíssima e a decisão foi para os pênaltis. O Fluminense venceu graças à displicência de um jogador botafoguense que na tentativa de fazer uma cobrança extraordinária acabou atrasando, de forma bisonha, a bola para o goleiro. O lance foi manchete nos principais programas esportivos dos quatro cantos do planeta.

 

Finalmente, em defesa do simples, desejo ressaltar para sua reflexão um outro fato não menos importante. Tenho convivido com consultores de vendas que na tentativa de mostrar cultura e impressionar o cliente, recorrem a palavras sofisticadas sem se preocuparem, no entanto, em conhecer o significado das mais simples, tais como: amor, fé, esperança, compaixão, solidariedade, amizade etc. Muitos se esquecem de que as palavras existem para informar e não para impressionar. Mas, se apesar dos exemplos você ainda não se convenceu, eu vou lhe fornecer um argumento definitivo. Pare por alguns instantes, feche os olhos e faça uma reflexão sobre as coisas que você mais gosta, as pessoas que você mais admira, o lugar que você mais curte. Provavelmente, irá descobrir que o prazer do simples suplantará a aparência do sofisticado.

 

Pense nisso!

 

Evaldo Costa é escritor, consultor, conferencista e professor. (evaldocosta.blogspot.com)

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