Romeu Tuma
Recall é uma palavra de origem inglesa usada para indicar o procedimento, previsto no Código de Defesa do Consumidor, adotado pelos fornecedores para alertar consumidores sobre problemas em produtos ou serviços que já estejam no mercado. O objetivo é evitar a ocorrência de um acidente de consumo e reparar defeitos. Nos últimos anos, o procedimento se tornou comum principalmente na indústria automobilística, um segmento em que o conceito vem sendo incorporado com certa freqüência. Em outras áreas, lamentavelmente, o recall ainda é uma palavra raramente utilizada.
O consumidor, quando identifica um problema em algum aparelho eletrodoméstico que apresentou defeito de fabricação, recorre aos serviços de assistência técnica. Com sorte, terá o defeito sanado. Resolvido o caso particular, toda a cadeia é desprezada, já que o fabricante dificilmente admitirá que aquele defeito pode se repetir e colocar em risco outros consumidores. Prefere ficar na surdina. Arca, conforme determina o Código, com a assistência a quem procura, jamais se expondo na mídia para dizer a todos que identificou um risco em determinado produto.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece que cabe aos fornecedores empreender todos os esforços, por meio de ações de divulgação em massa, como anúncios pagos nos grandes veículos de comunicação, para que sejam prevenidos e sanados os defeitos verificados nos produtos ou serviços. E a ação não pode parar por aí. Os fornecedores devem realizar levantamentos periódicos – diário, semanal, quinzenal etc. – para que seja verificada a eficácia das medidas adotadas.
O direito à informação é uma premissa básica do Código. Esse direito deve ser observado com a divulgação adequada e clara do problema, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como de potenciais riscos. A informação deve ser oferecida antes ou durante a oferta do produto ou serviço no mercado.
Neste momento, por exemplo, a Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor da Assembléia Legislativa de São Paulo recebeu a denúncia de que uma casa foi destruída por um incêndio causado pela explosão de uma televisão. Além de a família ter perdido todos seus pertences e ser obrigada a viver de favor na casa de vizinhos, ainda carrega o drama de ser desprezada como consumidora. A fabricante do aparelho, em vez de admitir que existe um problema, tentar resolver a questão e verificar se há um defeito de origem, prefere se esconder atrás de advogados e das morosas ações judiciais. Enquanto isso, outros milhares de consumidores podem estar correndo riscos, expostos a situações semelhantes.
Também é um dos princípios do Código que a segurança deve nortear as relações de consumo. “Os produtos e serviços colocados no mercado não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a respeito”. Ora, não me consta que na embalagem ou mesmo no manual de instruções de um aparelho de televisão venha a mensagem: “Cuidado, essa televisão pode explodir”. Se isso ocorreu uma vez, como aponta o laudo do Instituto de Criminalística de São Paulo, logo é possível concluir que os riscos existem. Ou seja, os consumidores estão sendo ludibriados em seus direitos básicos.
O recall tem por objetivo básico proteger e preservar a vida, a saúde, a integridade e segurança do consumidor. Supletivamente visa evitar prejuízos materiais e morais aos consumidores. O caso do televisor que explodiu e incendiou uma casa é só mais um exemplo de como o Brasil está longe de alcançar uma posição de destaque quando o tema é preservação dos direitos individuais. No estado de São Paulo, a situação é ainda pior. O atual Governo extinguiu a Delegacia do Consumidor, um órgão de polícia que tinha como principal objetivo investigar os crimes praticados contra os consumidores. Hoje, casos como o citado acima caem na vala comum dos distritos policiais, onde, em casos extremos, a queixa é registrada. Na prática, o consumidor não tem a quem recorrer. Está à mercê da boa vontade de grandes grupos empresariais que, em geral, não demonstram ter tão elogiáveis posições.
Romeu Tuma é deputado estadual (PMDB) e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor da Assembléia Legislativa de São Paulo.