Implementar estratégia de gestão de clientes não é apenas colocar tecnologias modernas dentro de casa. Nem deve ser visto como iniciativa e esforço isolado de alguma área da organização. O conceito de empresa “customer centric” implica em rever os próprios modelos e processos de gestão de marketing. Criar valor para os clientes significa que toda a companhia, em suas múltiplas atividades, deve trabalhar em conjunto. Para isso muitas vezes são necessárias mudanças radicais nos conceitos, práticas e paradigmas há muito internalizados. Na prática a organização passa a ter dois tipos de funcionários: os que servem aos clientes e os que servem aos funcionários que servem aos clientes. Passa a ser uma empresa que compreende que cada interação com o cliente é uma oportunidade de melhor atender às suas necessidades atuais e futuras.
O papel do marketing é expandido. Sua principal responsabilidade é proporcionar visões a respeito das necessidades dos clientes (atuais e futuros), papel e atuação da concorrência, e identificar novas oportunidades. Procura interpretar o ambiente de negócios, definir como e que clientes atingir, e que serviços e produtos deverão ser oferecidos. Para cumprir este papel não pode ser uma atividade isolada. O reconhecimento da importância do valor dos clientes deve estar no âmago dos valores da própria empresa, sendo decisivo na formulação e execução das estratégias do negócio.
Neste contexto, uma estratégia de identificação e criação de relacionamento com clientes cumpre papel essencial. As empresas que segmentam os mercados em que atuam apresentam retornos superiores as que não praticam a segmentação. O reconhecimento que os clientes e grupos de clientes não são iguais é fundamental em qualquer estratégia de marketing. Sem segmentação as empresas vêem o mercado como uma massa amorfa de consumidores que agiriam da mesma maneira. Estas empresas estão ignorando a realidade: os consumidores reconhecem e valorizam diferentemente as diferentes ofertas de produtos e serviços.
Uma estratégia de marketing baseada em segmentação permite que a empresa tenha condições de adaptar seus produtos e serviços da forma mais adequada, não ofertando serviço extra que não será devidamente reconhecido e valorizado, nem deixando de prestar um serviço que os clientes considerem de grande importância. A empresa passa a ter condições de desenvolver canais de contato e distribuição alternativos, que ofereçam maiores conveniências aos seus diferentes tipos de clientes. A empresa consegue identificar algum segmento de mercado que eventualmente esteja sendo negligenciado. E em vez de competir em um mercado amplo e disperso, ela consegue concentrar seu foco e energia nos segmentos que mais positivamente respondem aos seus serviços e produtos.
A tecnologia tem papel importante neste cenário. Ela permite identificar e rastrear os consumos e necessidades dos seus clientes. Permite identificar as suas mudanças de comportamento e desejos ao longo do tempo. Conseqüentemente consegue identificar as oportunidades que estão sendo desperdiçadas e as vulnerabilidades e ameaças com relação à concorrência. Um exemplo hipotético: uma empresa de TV paga pode compreender que um determinado segmento de clientes é suscetível a um plano mais econômico e portanto ofertar uma programação mais simplificada e barata. Como resultado poderá reverter uma alta taxa de desconexão (churn rate), causada pela evasão destes clientes que não estão propensos a pagar por canais que consideram de pouco valor.
Segmentar clientes já é praticado por muitas organizações, embora na maioria das vezes os critérios de diferenciação são muito mais internos, focados em produtos, não considerando a visão global do comportamento do cliente com relação à empresa. Uma diferenciação clássica é a que segmenta clientes por tipos de produtos ou serviços que estes adquirem. Esta segmentação ignora o fato que um cliente eventualmente pode comprar mais de um produto ou serviço. Perde-se oportunidades de cross-selling.
Outro aspecto muitas vezes ignorado é que o cliente contata a empresa por diversos pontos. Além da compra de um produto, ele interage com a companhia via SAC, ações de telemarketing, visitas pessoais de representantes comerciais e técnicos de manutenção, e por meio de áreas distintas como cobranças, relações públicas, suporte técnico, serviços de entrega terceirizados e outras. O cuidado na criação e consolidação do relacionamento com o cliente deve ser uma preocupação de toda a empresa e principalmente das funções que interagem diretamente com o cliente.
Uma empresa organizada em silos funcionais isolados, focadas em resolver problemas específicos, não consegue oferecer visão única e integrada ao cliente. Cada setor, com suas preocupações e indicadores de desempenho específicos e internos entra em conflito com os indicadores de desempenho de outros setores. Um exemplo tradicional é o conflito ente manufatura e marketing. Manufatura busca fazer com que as plantas operem com os custos unitários mais baixos possíveis e conseqüentemente deseja fabricar a menor variedade de produtos possíveis, em lotes padronizados.
Marketing, por outro lado, optaria por atender aos diversos grupos de clientes com produtos diferentes e prazos de entrega flexíveis. Cobrança, marketing e vendas nem sempre interagem adequadamente. Um cliente pode ser visto como de alto potencial pela área de marketing. Para o pessoal de vendas é um cliente de pouco valor pelas reduzidas compras que atualmente faz. E o setor de cobrança pode vê-lo com preocupação, pelo atraso nos seus pagamentos.
Oferecer visão 360 graus ao cliente implica em repensar este modelo de organização. O cliente deve ser único para toda a empresa e as ações com relação ao seu comportamento atual e futuro devem ser analisadas e decididas com base em informações integradas e não por dados dispersos. Infelizmente, em muitas empresas, cada setor com seu sistema isolado, decide como agir com relação aos clientes baseado em seus próprios critérios. Sistemas integrados são portanto essenciais para uma gestão eficiente dos clientes.
Além disso, a importância dos recursos humanos da organização não podem de nenhuma maneira serem subestimados no processo de criação de valores “customer centric”. Uma organização só consegue lealdade de seus clientes se conquistar a lealdade de seus próprios funcionários. Um staff leal afeta de modo direto o nível de retenção de clientes.
A moral da história é bem simples: gestão de clientes significa muitas vezes rever valores, organização e processos. Significa conquistar lealdade dos funcionários. Significa reconhecer que os clientes são diferentes e portanto desejam ser atendidos de maneira diferente. E principalmente, significa colocar o valor do cliente como o cerne dos próprios valores da empresa e não apenas em cartazes espalhados pelas paredes.
Cezar Taurion é consultor da PWC Consulting