Autora: Juliana Lira
Recentemente, a Netflix chamou a atenção de todo mundo ao anunciar uma vaga para o cargo de tagger. No caso, o felizardo terá a missão de ficar assistindo filmes por quatro horas e depois fará a classificação deles. A procura por um funcionário local para esse tipo de serviço mostra que a empresa tenta entender melhor o público nacional. Principalmente jovens da nova geração acharam este o emprego dos sonhos. A pergunta que me parece relevante neste momento é: será que o serviço de streaming veio para dominar o mercado de filmes?
Uma coisa é fato: esse tipo de serviço avança cada vez mais. Para se ter uma ideia, a média de adesão de serviços streaming cresce 50% ao ano no país, segundo dados do instituto de pesquisa Dataxis, empresa americana especializada em Telecom. Em 2011, o Brasil tinha 310 mil assinantes e, em apenas um ano, o número saltou para 1,1 milhão. Atualmente, conta com mais de quatro milhões. Então, agora ninguém mais vai sair de casa? Calma. Ainda vamos ver muitos anos de cinemas lotados. Não é interessante aos estúdios que o público fique apenas assistindo de casa. A arrecadação das salas 3D e IMAX são cada vez maiores e a experiência de ir ao cinema ainda é um meio de entretenimento escolhido por muita gente. Porém, os altos preços de entradas contribuem para que os espectadores prefiram assistir seus filmes da tela de seus computadores ou da TV, por uma questão de praticidade.
Uma análise que vem sendo feita é que talvez estejamos caminhando rumo a um mercado onde a sala de cinema será dedicada a um público específico. A grande parcela da população vai ficar em casa vendo seu longa e série no conforto do lar. Podemos pensar que o streaming é, de certa maneira, uma continuação do mercado de home vídeo das décadas de 80, 90, mas ao invés de precisar ir até a locadora, tudo que o cliente precisa fazer é acessar um site. E, como na década de 80, há essa sensação de “boom” na produção, porque o acesso que temos a produtos independentes ou de países cujos filmes e séries não costumavam chegar ao Brasil é cada vez maior.
Muito do que os serviços de streaming fornecem vem da produção já existente de conteúdo para o cinema e televisão. Mas com a intenção de se manterem dinâmicas, empresas, como a Netflix, passaram a produzir conteúdo próprio ou comprar conteúdo original. Muitos canais fechados, como a HBO, já pensam em também fornecer o serviço de streaming. O que o público procura é originalidade, tanto na maneira de assistir filmes e séries como no conteúdo que esses serviços fornecem.
Com o avanço da internet, a disponibilidade de uma série de televisão norte-americana ou europeia, em geral bem produzidas e com tramas bem construídas, fez o público brasileiro começar a questionar o sistema e padrões que há tantos anos regem a produção de conteúdo para a televisão brasileira. Hoje temos uma audiência acostumada a assistir séries semanais, muitas delas com uma linguagem cinematográfica. Os fenômenos “Breaking Bad” e “Game of Thrones”, por exemplo, são muito fortes por aqui, e há até mesmo uma procura cada vez maior por séries mais antigas, como “Os Sopranos” e “Twin Peaks”. Isso não quer dizer que a novela vai acabar, mas com certeza ela vai precisar se adaptar. E as emissoras não podem mais contar apenas com novelas.
Ainda há um caminho eficiente para ser identificado. Muitas produtoras e empresas de telecomunicações ainda não conseguem entender 100% como funciona o público da internet. É uma realidade que mudou bastante e muito rápido. A Lira Filmes, atualmente, possui três séries de televisão em desenvolvimento, que foram criadas pensando nesse público que utiliza tanto os sistemas de streaming quanto a televisão convencional. Buscamos estar antenados a essas mudanças. Esse costume de ver séries em streaming altera o comportamento das pessoas, que estão sentando para ver vários episódios de uma só vez. É o chamado binge-watching.
O público mudou e a forma de fazer entretenimento deve acompanhar esse movimento por conteúdo mais qualificado. A quantidade de blogs, fan pages, convenções, tudo isso está crescendo. Esse é um público que critica e analisa, procura conhecer tudo a fundo. Se a qualidade de uma determinada produção ou canal não acompanhar o nível de informação que se espalha pelo público, as pessoas vão perder o interesse e procurar outra coisa. Pode ser que hoje esse impacto ainda não seja tão significativo para alguns, mas os públicos que antes eram de nicho estão tomando conta do mainstream e é possível que em poucos anos as exigências do que a audiência quer ver mude significativamente.
Juliana Lira é fundadora e presidente da Lira Filmes.