Outro dia fiz um balanço dos cartões de fidelização que eu possuo. Tenho uma verdadeira coleção. Dois de empresas aéreas, um da operadora de celulares, um de supermercado, outro da rede de drogarias, outro da locadora de automóveis, da rede de hotéis, de uma livraria, de dois restaurantes, do laboratório de análises clínicas e assim por diante…
Estima-se que cerca de 80% dos portadores de cartões de uma empresa aérea tem o cartão da empresa concorrente. E o mesmo fenômeno acontece com bancos, lojas e supermercados. Nos EUA a situação já é complicada. O consumidor médio americano porta em média 3,2 programas de fidelidade e mais de 60% dos supermercados tem estes programas. A metade dos cidadãos americanos participa de algum programa de fidelidade.
Claro que os clientes apreciam descontos e regalias que estes cartões oferecem. Mas o esquema que os cartões impõem muitas vezes causam desconforto. O cliente é obrigado a portá-los (os sistemas das empresas não reconhecem o cliente sem o cartão), as regalias nem sempre estão disponíveis quando se pretende desfrutá-las, e no fundo as empresas não conhecem realmente quem são os portadores destes cartões. São quase anônimos… Elas apenas procuram incentivar o cliente a fazer mais compras, acreditando que pontos e descontos garantem fidelidade. Não trabalham estas informações adequadamente.
Implementar um programa de fidelização custa dinheiro para a empresa. São gastos em marketing, processos, infra-estrutura de TI, treinamento de pessoal, custos de gerenciamento, etc. E não obter retorno adequado não apenas é frustrante, mas pode gerar uma sangria na lucratividade da operação. Assim, é interessante avaliar porque muitos programas não dão certo. E nada melhor que uma análise do ponto de vista do cliente.
A principal razão para o insucesso (ou seja, não aumentar lealdade dos clientes e conseqüentemente não trazer retorno financeiro) são as próprias limitações e implementações errôneas do cartão. Não que a idéia seja ruim. Não o é. Mas a implementação muitas vezes é no mínimo desastrada!
O problema básico é que as empresas não buscam entender o que o cliente quer realmente. As companhias aéreas sabem que eu uso com freqüência seus vôos, mas nunca me questionaram para que eu uso estes vôos: Turismo? Trabalho? Viajo sozinho ou com minha esposa? Eu também estou voando no concorrente? Em que proporção? O que ela poderia fazer para que eu usasse mais seus serviços e não o da concorrente? A fidelidade será alcançada quando as empresa usarem os conhecimentos que estão adquirindo sobre mim para oferecer os benefícios que eu realmente quero e gostaria de ter.
Se o valor percebido pelo cliente não é significativo suficiente para criar um sentimento de lealdade, o programa no mínimo deve ser revisto. Na prática, o programa de fidelização que gera uma sensação de “fui enganado” cria uma percepção negativa e destrói qualquer sentimento de lealdade para com a empresa.
Vamos a alguns exemplos. A empresa aérea que cria períodos longos de embargo e reserva alguns poucos assentos para usuários de seu programa de fidelização, na verdade impede seu uso nos períodos em que o cliente deseja usufruir do que lhe foi prometido como recompensa: viajar nos períodos de férias ou feriados prolongados. Com estas restrições o programa, na prática, diz ao cliente que ele não poderá usufruir quando desejar, mas apenas quando a empresa achar que a baixa freqüência dos seus vôos assim o permitirá.
Existe aquela rede de livrarias que pontua seu usuário a cada compra com valor igual ou superior a cinqüenta reais. Ora, se eu comprar um livro por semana, de quarenta reais cada, terei gasto no fim do mês, cento e sessenta reais e não terei obtido nenhum ponto. E o cliente que faz duas compras de R$ 50,00 reais cada, terá gasto cem reais e obtido dois pontos. Em breve ele tera obtido pontuação suficiente para obter descontos. Ora, o cliente que gasta menos com descontos, gastará menos ainda e o cliente que gasta mais continuará pagando mais! Este cliente com maiores gastos não se manterá leal. O programa, neste caso, estará incentivando o mecanismo de lealdade para o cliente que gasta menos…
E tem aquele cartão de crédito que exige milhares de pontos para ofertar prêmios absolutamente inúteis…Ou enviar como brinde um desconto em um restaurante do outro lado da cidade! E, pasmem, existem os programas de fidelização que não diferenciam em nada seus clientes mais freqüentes, a não ser os tornando proprietários do cartão fidelização!
A moral da história deve ser a seguinte: um programa de fidelização para ser bem sucedido não pode ser uma iniciativa isolada. Deve estar plenamente integrada a uma estratégia maior de criação e consolidação de relacionamento com clientes. A diferenciação para um cliente preferencial (o que compra mais e é mais valioso…) tem que gerar percepção positiva à altura do valor deste cliente. E as informações obtidas pela interação com estes clientes devem direcionar as atitudes e reações da empresa.
Cezar Taurion é consultor da PwC Consulting