Juros do crediário castigam consumidor

O vendedor Eliel Fernandes, 25 anos, casou-se em 2008. Um ano depois, ele e a mulher ainda precisavam de móveis e eletrodomésticos para equipar a casa nova. Mas, sem condições de pagar à vista, recorreram a um velho hábito dos brasileiros: o parcelamento. Mas para conseguir o que faltava – cama, armário, tevê, sofá e utensílios para a cozinha -, Eliel se endividou bastante. Com as compras, adquiriu também 10 carnês com prestações no total de R$ 1.030. Ele só não sabia que pagaria juros tão pesados a ponto de empurrá-lo para o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Em um país onde a taxa média de juros ao consumidor chega a 45,7% ao ano (dado de julho), a ocorrência de casos como o de Eliel e sua mulher é mais comum do que se imagina.
Maior economia da América Latina, o Brasil também é líder na cobrança de taxas ao financiar o consumo de suas famílias. No quesito crédito caro, o país coloca os vizinhos regionais no bolso. Aqui, os juros ao consumidor chegam a ser três vezes maiores que as taxas cobradas no México e no Chile (14%), por exemplo; e estão ainda bem distantes das alíquotas praticadas na Colômbia (17%) e no Peru (23%). Custo tão alto nas compras a prazo soa como contrassenso em uma economia na qual a oferta de crédito é crescente e até marcas internacionais famosas, como Apple, Victor Hugo e Tiffany, dobram-se à sedução das cinco, seis, até 10 parcelas no cartão ou no cheque sem juros – um artifício que não significa a ausência de taxas, mas apenas a divisão do valor total do bem, já com a alíquota inclusa.
A desinformação sobre como funciona a cobrança de juros é uma lacuna na educação financeira do brasileiro. Eliel só compreendeu que pagou juros de quase 7% ao mês na compra de móveis e eletrodomésticos ao limpar seu nome no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). “Foi um sufoco pagar as prestações. Consegui quitar todas as dívidas somente no início deste ano”, conta o vendedor.
Os brasileiros estão comprando cada vez mais de forma parcelada. Só em automóveis, que movimentaram R$ 194,9 bilhões no primeiro semestre, o aumento nos financiamentos foi de 7,5% no período. Mas nem sempre o consumidor toma os cuidados necessários para evitar a inadimplência, que cresceu 5,14% entre janeiro e agosto. A dona de casa Maria Elza França, 36 anos, precisou recorrer a um longo financiamento, de 15 meses, para comprar um armário de cozinha.
Ao fim do contrato, pagou R$ 150 a mais pelo móvel. “Essa diferença fez muita falta no meu orçamento. Mas não teve jeito, eu tinha que comprar o armário e fui pagando com muita dificuldade. Os juros foram muitos altos”, avaliou. Depois de passar por esse sufoco, Maria pretende pagar as próximas compras à vista.
Juros tão pesados devem cair nos próximos meses, já que a taxa básica (Selic), termômetro do custo do dinheiro na economia, caiu 0,50 ponto percentual no fim de agosto, de 12,50% para 12% ao ano – ainda assim, uma das maiores do mundo. Mas o cidadão brasileiro não vai sentir o benefício no bolso tão rapidamente. Na economia real, os efeitos do afrouxo monetário demoram a aparecer – um processo de meses, explicam os especialistas. Pior: quando o juro básico da economia recua, o movimento semelhante não ocorre nos contratos reajustados pela Selic.
“A prestação do financiamento de um imóvel não cai quando a taxa é derrubada”, lembra Miguel Ribeiro Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). O comprador de um imóvel de R$ 250 mil, financiado por 20 anos, deixaria de pagar R$ 242,94 da prestação atual de R$ 2.648,87, por exemplo. No total, teria um desconto, ao fim do período, de
R$ 58.305,60. Mas não é o que acontece. “Se o trabalhador recebesse o retorno de imediato da diferença nos gastos, poderia usar o dinheiro para outro fim ou até aumentar a poupança”, observa Oliveira.
Quando o assunto é a taxa média cobrada do consumidor, o Brasil é
campeão na América Latina
Brasil 45,7%*
Peru 23%
Colômbia 17%
Chile 14%
México 14%
Projeções da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostram que, se a taxa básica de juros (Selic) cair para 11% ao ano em 2011, os juros médios do comércio recuarão de 6,84% para 6,72% ao mês. Ainda nesse cenário, as taxas mensais diminuirão dos atuais 8,27% para 8,15% no cheque especial e de 10,69% para 10,57%, no cartão de crédito. Pode parecer pouco, mas, quando a dívida é elevada ou o parcelamento é longo, faz a diferença.
 
Fonte: Correio Braziliense – DF

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