O outro lado da questão do crédito

Autor: Celso Grisi
Diante do menor crescimento previsto para a economia nacional, bancos vêm adotando medidas de adequação ao cenário de maior volatilidade, buscando resistir às turbulências que se avizinham.
O que se verifica é que o pensamento empresarial, nesse setor, tem se tornado cada vez mais defensivo, refletindo em suas estratégias um inusitado conservadorismo e a renúncia ao aproveitamento do potencial de mercado ainda existente.
Estudado sob esse ângulo, o mercado financeiro estaria permitindo o aparecimento de um novo período de desintermediação financeira, trazido pelas mãos da excessiva seletividade na concessão de empréstimos às pessoas físicas e jurídicas, sobretudo, as de pequeno e médio portes.
A concentração das carteiras de crédito para pessoas físicas, em operações consideradas de baixo risco – como é o caso dos créditos consignados e dos imobiliários-, refletem a preocupação dos bancos em reduzir, quanto possível, as despesas de provisão para créditos de liquidação duvidosa. No mesmo sentido, as operações com garantias de recebíveis, no mercado de pessoas jurídicas, têm sido priorizadas por serem consideradas de menor risco.
Do lado do crédito, essa parece ser a estratégia central dos grandes bancos privados para superar o perigoso trinômio formado pela alta inflação, baixo crescimento e redução do poder de compra das famílias.
Do lado das operações conhecidas pelo nome de “no credit” incentivam-se as operações com seguros, pagamentos e recebimentos, gestão de patrimônios e todos os tipos de serviços que possam ser classificados como “no risk”. Nesse esforço pela manutenção da saúde financeira, os bancos buscam por outras vertentes de crescimento, apostando suas fichas em outros braços de seus conglomerados, como as administradoras de cartões, suas seguradoras, empresas de previdência, etc. Tudo fora, mas à volta, das atividades bancárias. Sabem os banqueiros que as economias de escala e as economias de escopo serão cruciais na manutenção de suas respectivas competitividades.
Sabem também que seus investimentos precisam guardar ampla sinergia entre si sob pena de ver perdidos os ganhos que esses regimes de produção e comercialização possam produzir às receitas e aos lucros das organizações bancárias.
Longe de querer “ensinar o Padre Nosso pro Vigário”, o fato é que as pesquisas apontam remanescer um potencial de mercado crescente, abandonado pelo sistema bancário, e que determinadamente busca por alternativas de financiamentos, mesmo que a custos significativamente mais elevados. Financiar esse expressivo segmento da economia nacional pode levar a perdas; não financiá-los levará às deseconomias de escala, pressionando custos, spreads e juros nos seletos segmentos hoje servidos. Há até quem preconize um novo movimento de desintermediação bancária que, se ainda não ocorreu mais claramente, foi pela presença nesse segmento dos bancos públicos, cujos ativos cresceram expressivamente nesses últimos períodos.
Em momento de baixo crescimento, não se pode ignorar na prospecção de novos negócios a existência de segmentos ativos. Também não se podem perder negócios entre os clientes atuais. Esses clientes buscam por outros bancos para realizar as operações que o seu principal banqueiro não quis fazer. Há uma nítida desconcentração dos negócios dos clientes em bancos concorrentes. O cliente se vê obrigado a trabalhar com um número maior de bancos para ver suas necessidades financeiras atendidas.
As deseconomias de escala, ou de escopo, a renúncia a segmentos ativos com risco mais altos, mas ainda administráveis, o enxugamento do portfólio de crédito, a consequente desintermediação bancária e a desconcentração dos negócios dos clientes atuais por um número maior de bancos respondem pelas piores pressões sobre custos e os lucros dos bancos.
Celso Grisi é presidente do Instituto de Pesquisa Fractal e professor da FEA-USP.

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