Diferença entre compliance e auditoria interna


Marco Antonio Muzilli

Bem, iniciemos os esclarecimentos pela função Compliance. À medida que uma organização cresce e torna as operações volumosas e complexas há o que eu chamo de “efeito capilarização”, ou seja, o dia a dia é conduzido por dezenas e até milhares de pessoas, em locais diferentes, que recebem delegação implícita da alta administração. Este aspecto é ainda mais relevante quando se tratam de atividades altamente regulamentadas, como por exemplo, as instituições financeiras, e que o descumprimento de regras impostas pelos órgãos regulamentadores pode representar um grave desvio, ameaçando inclusive a continuidade. Não poderíamos esquecer a participação integrada que hoje ocorre nas organizações de pessoas relacionadas (prestadores de serviços, parceiros, etc.).

Assim, a experiência prática vem mostrando por meio do tempo que a falta de uma adequada supervisão fatalmente leva os funcionários e pessoas relacionadas a modificarem e até deteriorarem os controles ou procedimentos em função de uma série de aspectos; como exemplo: instruções ou regulamentações incompletas ou mal redigidas que não prevêem diversas situações que surgem no dia a dia. O final dessa história é que a bola de neve cresce e os controles acabam por se enfraquecer, permitindo a ocorrência de graves falhas operacionais e até fraudes.

Em termos de boa governança corporativa, fica muito clara a necessidade de disseminar em cada membro da organização e pessoas relacionadas, o conceito e o dever de estar em cumprimento às normas internas, leis e regulamentos a que a organização está submetida, ou seja, estar em compliance. Para atingir esse objetivo a organização deve dispor de vários mecanismos que abordaremos resumidamente:

a) Existência de normas internas definidas em manuais, banco de dados ou instruções, incluindo em destaque o Código de Ética e Conduta;

b) Procedimentos automatizados por meio de sistemas computadorizados, que exercem o papel de enquadramento ou de balizamento das transações;

c) Procedimentos de auto-avaliação ou “self assesment” que permitem a cada individuo ou setor avaliar, segundo parâmetros pré-estabelecidos, o seu grau de risco e eficiência, bem como o comprometimento com os controles;

d) A designação em cada setor da organização de uma pessoa encarregada por disseminar no setor e em relação às pessoas relacionadas o compliance ou o cumprimento das instruções, leis e regulamentos no dia a dia;

e) A designação de um Compliance Officer ou Responsável pela Supervisão Geral na organização da função Compliance. Cabe a ele estar em contacto com os responsáveis de cada setor e disseminar as diretrizes estabelecidas pela alta administração bem como as mudanças nas leis e regulamentos que afetem a atividade da organização;

f) A conscientizarão constante que os responsáveis pelo Compliance devem fazer em relação aos funcionários do setor e às pessoas relacionadas sobre a importância da função. Se não houver um treinamento constante, os funcionários e as pessoas relacionadas esquecem e aos poucos negligenciam.

A auditoria interna, por outro lado, segundo conceito moderno defendido pelos especialistas, é uma atividade objetiva e independente (dos setores ou atividades auditadas) que presta serviços de avaliação (assurance) e consultoria e tem como objetivo adicionar valor e melhorar as operações da organização. Lawrence Sawyer, renomado especialista em auditoria interna, assim a definiu: “a função do auditor interno é fazer aquilo que a direção gostaria de fazer se tivesse tempo para fazer e soubesse como fazê-lo”. Apesar de algum tempo decorrido, essa definição tem-se mostrado moderna e verdadeira.

Poderíamos concluir de um modo pragmático que a função de Compliance atua mais na fase de definições ou estabelecimento das normas, divulgação e treinamento e no acompanhamento das transações no dia a dia; e a auditoria interna, com base nas verificações pontuais em amostras de transações, na revisão dos riscos operacionais e dos controles internos existentes para mitigar esses riscos. Não poderíamos deixar de realçar os objetivos adjacentes da função de auditoria interna que são os de: a) identificar oportunidades de aperfeiçoamentos e busca de eficiência; b) detectar indícios ou existência de fraudes ou irregularidades na organização.

Para finalizar, lembrei-me do exemplo bem simples que um colega, Compliance Officer de um grande banco, deu para a sua mãe, quando indagado por ela sobre a diferença entre um profissional e outro: “Não existe uma lei que nos obriga a usar o cinto de segurança?; bem, o Compliance officer irá nos explicar a importância de usar o cinto, como usá-lo, as conseqüências de não usar , etc. O auditor interno é o guarda da CET que irá verificar se estamos efetivamente usando e com certeza multar-nos se formos pegos sem ele.”

Marco Antonio Muzilli, consultor em Governança Corporativa, tendo atuado por mais de 20 anos como sócio de Auditoria da KPMG.

Deixe um comentário

Rolar para cima