Thomas Pillet, CEO da Up Brasil e membro do conselho da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador

Modernizar o PAT, sim, mas com tempo, diálogo e parâmetros bem definidos

É preciso prezar pela sustentabilidade tecnológica, qualitativa e econômica do programa no longo prazo

Autor: Thomas Pillet

Após longa deliberação, o governo federal assinou o Decreto nº 12.712/2025, que altera as regras do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), marco regulatório que sustenta o vale-alimentação e o vale-refeição no país. Como CEO de uma empresa nacional de benefícios e membro do Conselho da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador — ABBT, acompanho de perto a discussão sobre a modernização desse programa que, há quase cinco décadas, garante segurança alimentar e produtividade a milhões de trabalhadores brasileiros.

A modernização é, sem dúvida, necessária. O PAT precisa acompanhar a evolução digital, tornar-se mais transparente e competitivo, e seguir contribuindo para o bem-estar de cerca de 25 milhões de usuários que contam com ele diariamente. No entanto, a forma e o ritmo dessas mudanças exigem cautela. É preciso prezar pela sustentabilidade tecnológica, qualitativa e econômica do programa no longo prazo. O que preocupa não é a direção — mas a velocidade e a ausência de detalhes técnicos para uma transição segura.

Riscos de uma mudança apressada

O decreto estabelece um prazo de apenas 90 dias para que as operadoras de benefícios se adequem às novas regras. Esse período, embora possa parecer razoável, é extremamente curto para uma estrutura que processa bilhões de reais em transações mensais, envolvendo milhões de usuários, empresas e estabelecimentos. 

Uma alternativa seria aplicar prazos de adaptação diferentes para operadoras que atendem o mercado privado e para aquelas que atendem o mercado público, pelo menos durante o período de transição. Isso é crucial, pois empresas de diferentes iniciativas operam em fluxos diferentes de contratação, pagamento e prestação de contas.

Mudanças dessa magnitude exigem homologações, testes, integrações sistêmicas e segurança de dados. Sem tempo suficiente para isso, há o risco de instabilidade nos sistemas e falhas na prestação de serviços. E, nesse cenário, quem acaba sendo prejudicado é o trabalhador — aquele que, durante ou ao final do expediente, simplesmente quer usar seu vale para fazer uma refeição.

Outro ponto sensível é a ausência de protocolos técnicos claros sobre a interoperabilidade entre plataformas. Apoiar o conceito de interoperabilidade é um consenso, mas implementá-lo sem padrões definidos pode gerar fragmentação e insegurança. É preciso definir o “como”, e não apenas o “o que”.

Efeitos sobre o mercado e os trabalhadores

Além do desafio operacional, há também impactos econômicos. A redução dos prazos de repasse e a limitação de taxas financeiras — os chamados tetos de MDR — podem comprometer o fluxo de caixa das operadoras de benefícios e, consequentemente, a estabilidade do setor. Nenhuma operadora é imune aos efeitos do decreto — todas vão ser impactadas, sem exceção.

Uma empresa pode ser saudável no resultado, mas sem liquidez, ela quebra. E quando um player quebra, toda a cadeia sente o efeito: restaurantes deixam de aceitar determinados cartões, os departamentos de RH ficam inseguros, e os trabalhadores correm o risco de ficar, ainda que temporariamente, sem acesso a um benefício já pago. 

Essa incerteza pode levar empresas a preferirem outros tipos de repasse ao trabalhador, o que esvazia o propósito do PAT — garantir o uso dos recursos para alimentação, promovendo nutrição e saúde, que são fatores essenciais para uma força de trabalho produtiva. O resultado seria uma distorção social grave: verbas originalmente destinadas à alimentação poderiam ser desviadas para outros fins, enfraquecendo a política pública que o PAT representa.

Concentração e perda de diversidade

Outro efeito colateral possível é o aumento da concentração de mercado. Players menores, com menor fôlego financeiro, podem ser empurrados para fora do setor, o que reduz a concorrência e a inovação. Paradoxalmente, uma medida pensada para abrir o mercado pode acabar fortalecendo ainda mais os grandes operadores e encarecendo indiretamente os custos para estabelecimentos e consumidores.

Menos competição significa menos incentivo à melhoria de serviços e mais vulnerabilidade a práticas abusivas. É um cenário que não interessa a ninguém — nem ao governo, nem às empresas, e muito menos aos trabalhadores.

No fim, o que pode determinar a saúde de uma operadora de benefícios é um modelo de negócios que não dependa somente do Vale Alimentação e do Vale Refeição, com outros produtos na carteira e um acionista de referência sólido.

Um chamado ao diálogo técnico

Diversas empresas do setor entendem e estão preparadas para as mudanças. No nosso caso, temos uma estrutura tecnológica robusta, uma operação diversificada e um compromisso firme com a conformidade regulatória. Estamos, inclusive, dedicando equipes para trabalhar 24 horas por dia no cumprimento dos novos prazos.

Mas, acima de tudo, acredito no diálogo técnico e na construção coletiva de soluções. É possível modernizar o PAT sem comprometer o que já funciona. Para isso, é fundamental adotar prazos realistas, definir padrões técnicos de interoperabilidade e permitir que o setor contribua ativamente com sua experiência operacional.

O PAT é um programa que deu certo — e, justamente por isso, merece ser aprimorado com responsabilidade. Modernizar é bem-vindo; desorganizar, não. O que está em jogo não é apenas a dinâmica de um mercado, mas o equilíbrio de uma política pública essencial para a segurança alimentar e a qualidade de vida de milhões de brasileiros.

Thomas Pillet é CEO da Up Brasil e membro do conselho da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador — ABBT.

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