O grande desafio do Brasil será garantir acesso equitativo a essas tecnologias
Autor: Marcon Censoni de Ávila e Lima
Ontem, a Microsoft anunciou em rede nacional um dos marcos mais significativos da história recente da saúde: o lançamento do AI Diagnostic Orchestrator (MAI-DxO) — uma ferramenta de inteligência artificial que promete transformar para sempre a forma como diagnósticos médicos são feitos.
Testada com casos clínicos reais do New England Journal of Medicine, a ferramenta demonstrou uma precisão de mais de 85%, superando largamente o desempenho de médicos humanos diante dos mesmos desafios. Estamos diante de uma IA que não apenas “acerta mais”, mas que pensa como uma equipe médica de alto nível, com múltiplos agentes discutindo hipóteses, ponderando exames e simulando o raciocínio clínico em níveis antes considerados exclusivos da mente humana.
Esse anúncio não apenas impressiona — ele provoca uma reflexão urgente. Estamos preparados para conviver com inteligências artificiais que superam especialistas experientes em tarefas críticas da medicina?
A resposta deve ser cautelosa, mas otimista. A inteligência artificial não chega para substituir o médico, mas para ampliar sua capacidade diagnóstica, reduzir erros, acelerar decisões e melhorar desfechos. Imagine um sistema capaz de cruzar, em segundos, milhares de casos, publicações, exames e sintomas, oferecendo ao médico hipóteses diagnósticas com embasamento e prioridade. É o que o MAI-DxO está nos mostrando ser possível
Contudo, a transformação digital na saúde exige mais do que tecnologia. Exige cultura, ética, capacitação e liderança. A IA será apenas uma ferramenta se não for incorporada a sistemas de cuidado centrados no paciente, com responsabilidade, transparência e supervisão humana. É justamente aqui que a formação médica tradicional precisa dialogar com inovação, ciência de dados, segurança cibernética e gestão estratégica.
Como médico com 26 anos de estrada, venho acompanhando a dor e a beleza do diagnóstico humano — o olhar atento, o exame clínico, a escuta empática. Nenhuma máquina pode substituir isso. Mas como especialista em transformação digital pela Harvard Medical School, posso afirmar: o futuro é híbrido. Médicos e máquinas vão se complementar em decisões cada vez mais assertivas, rápidas e acessíveis.
O grande desafio do Brasil será garantir acesso equitativo a essas tecnologias. O SUS precisa ser protagonista dessa revolução. Não podemos permitir que essa nova medicina — mais preditiva, precisa e personalizada — se restrinja a poucos. A inteligência artificial pode e deve ser ferramenta de democratização da saúde, levando diagnósticos de excelência às periferias, áreas remotas e hospitais públicos.
A revolução já começou. E ela exigirá de nós médicos algo que sempre fez parte da nossa essência: humildade para aprender, coragem para mudar e sabedoria para usar o conhecimento a favor da vida.
Se bem utilizada, a inteligência artificial pode não apenas diagnosticar doenças com mais precisão, mas salvar vidas, aliviar o sofrimento e resgatar o tempo do médico — tempo que hoje se perde com excesso de burocracia e que poderá, finalmente, ser devolvido ao que mais importa: o cuidado humano.
Marcon Censoni de Ávila e Lima é médico especialista em transformação digital na Saúde formado pela Harvard Medical School.