Autor: Claudio Gandelman
Poucas vezes se ouviu falar tanto sobre cultura corporativa, mindset e afins. Todo mundo acha que está implantando uma cultura de meritocracia, de enxergar o valor nas pessoas, de remunerar a contento, de criar um clima saudável e principalmente, voltado para o resultado.
Na minha visão, e isso é muito particular, pode se dizer o que quiser, mas cultura se constrói não com um papel na parede ou um mural fofo com missão, valores, etc. CULTURA SE CONSTRÓI COM EXEMPLO. A famosa frase: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” é a melhor forma de construir uma cultura contrária ao que se prega.
Por exemplo, nos idos dos anos 90, uma grande indústria de cigarro que tinha o famoso restaurante da diretoria, anunciou um corte de custos “profundo”. Para dar o exemplo, cortou a manteiga do dito restaurante da camada superior da cadeia alimentar, mas continuava servindo lagosta, arroz de açafrão, haddock, dentre outros acepipes. Os diretores falavam: “tá brabo, já cortaram até a manteiguinha”, e os funcionários faziam piada. Ninguém ia seguir aquele “corte de custos” nas suas viagens, almoços corporativos ou gastos de escritório.
Outro exemplo é em uma empresa que trabalhei, uma multinacional conhecida. Lá se pregava a meritocracia, onde o head da empresa dizia que quem fazia, aparecia e era reconhecido. Mas os vice-presidentes ficavam em um “aquário” que os outros funcionários tinham receio de entrar (para não dizer medo), reinava um sujeito que era o melhor “amigo” da pessoa que mandava na empresa, mesmo depois de vários alertas de que o sujeito era odiado e não tão chegado assim ao trabalho, mais afeito ao poder. Esse amigo por trás do chefe agia como um feitor moderno, disfarçado de gestor.
Depois de anos sofrendo, os funcionários de uma área fizeram um vídeo do sujeito sob o fundo do filme a “A Queda – as últimas horas de Hitler”, dando ordens de uma forma muito peculiar aos subordinados.
No final teve que ser demitido. O chefe de todos descobriu que o sujeito criava diretorias sem falar nada, promovia pessoas da sua tropa de choque e fazia várias outras coisinhas nada meritocráticas. Ou seja, às vezes as empresas acham que praticam algo que os funcionários não estão nem um pouco alinhados.
Por outro lado, cultura não necessariamente é algo bom para todos, mas quando funciona, simplesmente funciona e está alinhado de ponta a ponta.
A Ambev talvez seja um dos melhores exemplos, 95% das pessoas não querem viver naquele ambiente, mas os 5% que gostam, AMAM. Custos enxutos, operação azeitada, pressão 110% do tempo e quem for realmente bem vira sócio e tem a chance de ficar rico.
A mesma coisa para quem trabalha no mercado financeiro, trabalhei em uma instituição que trazia à tona o pior das pessoas. Todos trabalhavam de olho no bônus. A sensação é que todo mundo ia trabalhar com dois objetivos, o primeiro era não morrer e o segundo, se desse, matar alguém. Um lugar com algumas das pessoas mais inteligentes que já conheci, se trabalhassem na mesma direção iam ser uma máquina de fazer o dobro de dinheiro, que já era absurdamente grande. Era um inferno, mas se ganhava dinheiro de verdade. O preço era alto, mas sempre tem alguém disposto a pagar. E viver essa cultura empresarial.
Como já disse anteriormente, uma cultura se constrói com exemplo, e demora. Mas ela é top down, no início e depois tem que estar arraigada na companhia, em todos os funcionários, do presidente à recepcionista.
Tive um exemplo que me emocionou na última semana. Contratamos um estagiário brilhante, esperto, preparado, querendo fazer a diferença, mas ainda sem nenhuma experiência e desconhecendo a cultura da empresa. Em determinado momento foi colocada uma reclamação de uma cliente e o comentário dele foi: “tem uns clientes que são muito idiotas, essa aí precisava de um terapeuta”.
Imediatamente um outro estagiário o interpelou e disse: “aqui a gente não fala assim de cliente, se ela não está entendendo, a culpa é nossa que não estamos sabendo explicar”.
Fiquei muito orgulhoso, porque aqui na Auti Books queremos ter o melhor atendimento possível e isso passa por entender e atender ao cliente. É parte da nossa cultura, dentre várias outras coisas, mas o mais importante é que eu sei disso e o estagiário também. E cada um que trabalha aqui precisa saber disso.
Tem uma frase que gosto muito: “Confiança se ganha de escada e se perde de elevador”, com a cultura empresarial é a mesma coisa. Demora-se anos para construir e destrói-se em meses ou semanas. Basta começarem exemplos ruins.
Não acredite sempre que te disserem que a cultura da empresa é boa, algumas serão boas para você, outras não terão nenhum fit. Escolha com paixão, com tesão, com o coração, mas principalmente pesquise para ver se é o que você quer da vida. Em algumas culturas você até consegue se encaixar, em outras, você vai sofrer todo dia para ir trabalhar.
Claudio Gandelman é CEO da Auti Books.