Pronto para mudar?

Autor: Roberto Aylmer
Embora o começo do ano seja conhecido pela renovação das esperanças, a essa altura já devem ter ido para o espaço as promessas de dieta, academia e não brigar por coisa fútil e você já percebeu que não será tão simples cumprir o que prometeu. Mudança não é algo simples, pelo contrário, ela nasce da morte ou destruição de algo estabelecido e nesse espaço de incerteza é que nasce o novo. Nem romântica nem pacífica, a mudança é dramática. Então quero fazer três reflexões para 2019:
 
1. Olhe em volta e você vai ver que as certezas estão derretendo: não derreta junto!
 Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, falecido em 2017, se notabilizou pelo estudo sobre a sociedade pós-moderna e cunhou o conceito de ´sociedade líquida´, uma impactante metáfora para a velocidade das mudanças e a efemeridade dos conceitos como casamento, amor, valores e vida em sociedade. Segundo Bauman, a mesma velocidade de consumo que lubrifica a inovação “joga areia” nas engrenagens da moralidade. De forma semelhante, no contexto organizacional vemos uma relação cada vez mais líquida e o afrouxamento do que deve ser feito em prol do bem comum. Em outras palavras, há um movimento evidente de levar em conta interesse individual mesmo que o custo coletivo seja maior, mas a conta vem pra todos.
Um exemplo simples você deve ter experimentado no almoço de final de ano. Sua turma do trabalho (ou o pessoal da faculdade) marcou o encontro naquele restaurante que você tanto gosta. Você tinha pensado em pedir uma salada Caesar para economizar no bolso e nas calorias, mas quando chegou o pessoal já estava tomando uma caipirinha. Quando o garçom chegou para os pedidos, a pessoa ao seu lado pediu um prato de camarão ao catupiry. Rapidamente você pensou na salada, mas pagar parte daquele prato quando fosse dividir a conta, então escolheu bacalhau com batatas ao murro e uma caipi-saquê para animar. Almoço maravilhoso para todos até chegar a conta. Pensando inicialmente em gastar até quarenta reais, sua parte ficou em cento e oitenta, o que quebrou o seu orçamento e a sua dieta. O pensamento no interesse pessoal sem considerar o custo coletivo tem consequências na linha do tempo.
O estudo da Maturidade do Raciocínio Ético de uma empresa (ou áreas da empresa) ajuda a entender o critério que as pessoas usam para a tomada de decisão. Se eu faço o que é correto só quando tem alguém controlando ou risco de punição (estágio mais primitivo) ou se faço o que é correto mesmo que me prejudique (estágio mais avançado) determina a verdadeira sustentabilidade de uma liderança. Vencer a tentação do “caminho largo” e escolher o caminho correto (que sempre é mais estreito) é um antídoto para não derreter junto com a sociedade líquida.
Em palavras simples: você pode escolher a semente que vai plantar, mas só vai colher o que plantou.
 
2. Olhe para o lado: quem precisa de você?
 Na luta pela sobrevivência perdemos a clareza do que realmente importa. O curto prazo da arena faz com que cada “eu” veja quem está ao meu lado como o leão que preciso vencer, mas não percebe que “eu” sou o leão para o outro.
Numa dinâmica com um grupo de quase 200 gerentes, fizemos a simulação de uma ilha que estava afundando a cada rodada e as pessoas precisavam ´subir´ na ilha quando ouvissem o grito “tubarão”. Entretanto, duas pessoas não poderiam ficar no mesmo pedaço de ilha (uma folha). Bom, é simples imaginar o que aconteceu: quando eu gritava tubarão, as pessoas jogavam as outras para o tubarão até que chegava a vez delas. Uma das menores gerentes tinha uma técnica de “eliminar concorrentes” muito interessante. Ela chegava rápido e dava uma trombada violenta com o quadril e ocupava a ilha do “eliminado”. Entretanto, quase no final da dinâmica, um dos gerentes mais pesados fez o mesmo que ela e, numa cadeirada radical, arremessou aquela gerente pra longe da ilha. Ela ficou indignada e reclamou da violência. Na discussão que fizemos eu a confrontei dizendo que ela tinha feito o mesmo com outros colegas e ela disse: “mas eu fiz pra sobreviver”.  Interessante entender o que passa na cabeça dessa gerente: “quando estou ameaçada eu posso fazer coisas que prejudicam meus pares e isso é aceitável. Quando alguém me ataca e me prejudica isso é inaceitável, não importa o motivo que o outro tenha para agir assim”. São dois pesos e duas medidas.
No contexto líquido, pessoas que mantém seus valores sob pressão conquistam um capital moral valioso para construção de relações e resultados.
 
3. Olhe para dentro de você: qual a sua taxa de mudança pessoal?
Uma das frases mais impactantes atribuídas a Jack Welch é: “se a taxa de mudança interna for menor que a taxa de mudança externa, o fim está próximo”. Nada mais verdadeiro. Somos comparados com o nosso entorno. Um exemplo que vai te ajudar a entender o risco embutido nessa frase: sabe aquele chefe ultrapassado, que você não entende como ainda está na posição e que se sair tem festa na empresa? Possivelmente um dia ele foi motivado e bem-sucedido como você. Então, o que aconteceu para que ele parasse de crescer e se desenvolver?
Primeiro é importante entender que esse chefe não se acha jurássico e estagnado como você (e o resto da empresa) o veem. Ele se considera um líder maduro e muito experiente. Isso é semelhante às doenças silenciosas, como a hipertensão e o diabetes (as que mais matam), que não têm sintomas, logo o paciente não se apega ao tratamento.  O sucesso nos faz arrogantes e nos deixa com uma confiança infundada de que a forma como resolvíamos problemas no passado será suficiente para lidar com os desafios deste novo contexto.
Em segundo lugar, o chefe colhe o que plantou: quanto mais ele sobe, mais as pessoas falam o que ele quer ouvir, e não o que precisa ouvir. Assim, ele fica preso numa bolha de autoengano que vai estourar numa grande frustração.
E por último, ele só olha para si. Não conheço ninguém relevante que tenha uma vida autocentrada. Até os 30/35 anos entendo a necessidade de se estabelecer e ganhar dinheiro. Mas após os 45/50, viver com a mesma atitude de um gladiador na arena é apequenar a vida e o meu propósito. Se a dinâmica do primeiro estágio é baseada na sobrevivência competitiva, após os 45/50 a bússola se volta para servir as pessoas e propósitos maiores do que seu interesse pessoal.
Considerando as duas pás de uma hélice, a competição e o serviço se equilibram para construir resultados sem destruir as relações, alcançar uma posição elevada com as pessoas e não sobre as pessoas e por fim, deixando para seus filhos e pessoas próximas um legado que se estende além do seu tempo de trabalho ou seu tempo de vida. É bom lembrar isso: não se constrói valor destruindo valores. Servir as pessoas é o nível mais alto da maturidade ética e foi tema de uma conversa entre Jesus e seus discípulos que disputavam a preferência do mestre, e Ele disse: “no mundo os mais fortes dominam os mais fracos, mas que não seja assim entre vocês. Os maiores sirvam os menores”.
A maior evidência da taxa de mudança interna não é um curso ou uma nova ferramenta gerencial, mas sim a mudança do mindset competitivo para um propósito de servir. Isso não acontece sem uma decisão perseverante de ser um líder e deixar um legado. Servir é a próxima fronteira da liderança e é para os fortes.
Roberto Aylmer é médico, professor internacional da Fundação Dom Cabral e consultor em gestão estratégica de pessoa.

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