Os ouvidores públicos apostam em uma entidade para fomentar a cultura especializada e disseminar a criação de organismos em áreas públicas, nas três esferas. E assim nasceu a Anop, a Associação Nacional de Ouvidores Públicos, fundada dia 9 de junho, em Brasília, durante o 4º Fórum Global de Combate à Corrupção. De quebra, o primeiro presidente empossado, Elci Pimenta Freire (ouvidor geral do município de São Paulo), deve investir no aprimoramento da atuação das já existentes. Nesta Entrevista Exclusiva, Elci resume a abrangência da entidade às três esferas de governo, da administração direta e indireta, dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Ele reforça, entre vários outros temas, a necessidade da construção de um código de ética, que considera fundamental para que as ouvidorias possam atuar cada vez mais como defensorias públicas.
Como o senhor avalia a evolução das ouvidorias públicas?
Apesar de ser um serviço novo, já podemos encontrar muitas ouvidorias na iniciativa privada, trazidas por meio de vários programas de qualidade e de relacionamento com o cliente. Na área pública não é diferente. Essa descoberta também é muito recente. De certa forma, estamos, todos, descobrindo esse instrumento.
No histórico das ouvidorias públicas, nós temos a de Curitiba, criada em 1986, e a de Santos. Essas foram as primeiras cidades do Brasil a contar com o serviço. Mas, foi apenas a partir dos anos 90, no governo de Mário Covas, que começou a haver um estímulo maior para a implementação de ouvidorias em todos os órgãos do estado. E só mais recentemente no governo federal. Hoje, podemos observar que algumas se desenvolveram mais, outras menos. O fato é que estamos descobrindo a nossa identidade. A idéia da ANOP (Associação Nacional de Ouvidores Públicos) é que possamos aprofundar o marco conceitual de ouvidorias públicas. A ABO (Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman), cumpriu papel importante para estimular a criação de ouvidorias, reunir experiências distintas de público e privado. Mas, achamos que esse espaço público, por ter um recorte muito específico, precisa de um aprofundamento das discussões, de estímulos, para esse marco regulatório, que chamamos de marco conceitual.
Uma das diferenças básicas de uma ouvidoria na esfera pública e de uma ouvidoria que atua na iniciativa privada é que o nosso viés tem que ser sempre pensando na questão do direito e do cidadão. Na iniciativa privada, a ouvidoria pode trabalhar muito com a facilitação do relacionamento, que além de trazer um atendimento melhor para o cliente, contribui para uma crítica à instituição, no sentido de aperfeiçoamento da organização. Já no setor público, além de facilitarmos o relacionamento, nós podemos incorporar a figura do defensor público. Somos defensores do cidadão, que conta com direitos consagrados na legislação, e que, por ineficiência do funcionamento da máquina do Estado ou por uma necessidade de aperfeiçoamento, às vezes não é cumprido. Podemos fazer essa defesa e a própria cobrança pelo aperfeiçoamento da instituição, até mesmo fiscalizando. Essa é uma característica que o ouvidor público pode incorporar, o que não está muito presente no ouvidor da iniciativa privada.
Conceitualmente, o modelo está praticamente fechado. Você acha que está faltando divulgação e estímulo?
Na verdade, o conceito ainda está sendo formulado. A compreensão dentro das ouvidorias públicas é que ele seja mais incorporado e faça com que elas possam avançar mais que as da iniciativa privada. Pois, para que a ouvidoria atue desse jeito, enquanto defensora pública, tem que ter resguardada a questão de independência, já que nesse papel você pode fiscalizar até os chefes das instituições.
Você não corre risco de esbarrar na esfera política em determinado momento?
Essa é uma característica interessante da ouvidoria pública. Quando assume o papel de defensora, a ouvidoria tem que ter instrumentos que garantam essa ação independentemente da política. Nós defendemos que o ouvidor tenha mandato e autonomia. E, tenha até um processo mais democrático de escolha. Aqui na ouvidoria de São Paulo, por exemplo, como somos uma ouvidoria nova (desde 2001), ela acaba sendo uma das mais avançadas na área pública. Nós temos resguardado a situação que a atuação do órgão não fica subordinada à política. Aqui, o ouvidor é escolhido a partir de uma lista tríplice, que é constituída pela comissão municipal de direitos humanos, que tem a participação da sociedade civil, como, por exemplo, a OAB, sindicato dos jornalistas, e alguns representantes do poder executivo e membros eleitos (organizações sociais). Feita a lista, o prefeito escolhe um nome. A partir daí, o ouvidor ganha o mandato de dois anos, com direito de uma renovação, prevista na constituição.
Eu estou na metade do meu 2º mandato, e não houve transição política na ouvidoria apesar da mudança de gestor na prefeitura. Nós temos orçamento próprio, como um outro órgão do município. Nós não estamos subordinados ao chefe do executivo, porque nós fiscalizamos todas as ações de todos os agentes públicos, inclusive o prefeito.
Você acha que este é o modelo brasileiro de ouvidoria pública?
Para cumprir, também, o papel de fiscalização, achamos que este é o modelo. O mandato e a autonomia fazem com que a ouvidoria pública evolua. Caso contrário, as ações ficariam muito restritas apenas ao aspecto da mediação e relação de contribuição ao planejamento do gestor. Hoje, já está havendo um consenso, o que propiciou a formação de fóruns específicos e melhorias.
Como será tratada a questão das ouvidorias que possuem características mistas (privadas e públicas)?
Conceitualmente isso enriquece, porque além da ouvidoria do órgão, como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, ou até mesmo concessionárias, poder fazer as ações que hoje são totalmente incorporadas na área privada – mediação, facilitação do relacionamento, etc -, por pertencer a um órgão público, pode incorporar o papel de fiscalizadora. Isso é muito saudável. E, no caso de uma instituição financeira pública, além das ações normais de uma instituição privada, você participa de programas sociais, etc.
Qual será o principal trabalho para ajudar na disseminação das ouvidorias?
Por ser um serviço novo, assim como a democracia, e pela diversidade da área pública, as ouvidorias estão surgindo das mais variadas formas, seja pela ação de uma comunidade local, de uma câmara municipal, etc. Nós queremos contribuir para que todos tenham esse órgão, aproveitando o êxito da iniciativa privada. Então, há um estímulo, que eu acho natural, para que nos órgãos públicos criem ouvidorias.
Segundo a Ouvidoria Geral da União, há três anos existia menos que 100 ouvidorias. Este número mais do que dobrou. Em uma instituição grande, você tem até sistemas de ouvidorias, pois um único órgão ouvidor acaba sendo insuficiente diante às necessidades. Algumas não tinham orientação, e houve essa evolução no sentido da atuação. Algumas acharam necessário ter uma administração exclusivamente interna, ou seja, ouvidorias de relacionamento interno, o que contribuía para a auto-administração, com o corpo técnico, de servidores, empregados como no caso da Petrobrás. Elas prosperaram e incorporaram outras atividades, o Banco do Brasil, por exemplo, tem dois ouvidores, uma ouvidoria ramificada. No Rio de Janeiro, o órgão não está preso à figura do ouvidor geral, ou de uma ouvidoria geral, mas de um sistema de ouvidorias que se relacionam e atuam nos diferentes órgãos da administração. Aqui está centralizado no ouvidor geral, mas como houve um avanço no marco regulatório dessa ouvidoria, achamos que a ampliação vai se dar com esta concepção, de que as ouvidorias que se criam nos segmentos da administração são tentáculos dessa forte estrutura. Então, que isso possa acontecer de forma organizada, com calma. A identidade da ouvidoria não aparece com muita clareza na hora do surgimento, por isso se deve ir devagar.
Eu recebo visitas semanais de futuros ouvidores. Com base nesse conhecimento que vem sido desenvolvido há quatro anos, quando se fala em criar uma ouvidoria, ou incrementar uma que tenha surgido de forma tímida, as pessoas nos procuram. Isso acontece geralmente em mudanças de gestão políticas.
Na área privada, a ouvidoria surgiu depois do callcenter. Na área pública ela tem um viés um pouco diferente, pois há instituições que não possuem callcenter. Como vocês separam esse modelo conceitualmente?
As ouvidorias apontam a necessidade do callcenter, pois as demandas na área pública são muito grandes. Num órgão como a ouvidoria, que assume o papel de defensora pública, precisa se organizar, para ter uma triagem desse trabalho. Caso contrário, a ouvidoria fica como linha de frente, e mandatário da relação direta com o poder público. Um exemplo é a ouvidoria aqui de São Paulo. Quando foi criada, ela não tinha condição de fazer uma triagem clara do que é assunto de ouvidoria. Desse modo, ela apontou a necessidade do callcenter, que foi instituído aproximadamente dois anos depois. O callcenter se tornou a porta de entrada para várias demandas.
O relacionamento do cidadão com o poder público sempre foi muito difícil. Não se estava atento para essa qualidade no atendimento, coisa que os callcenters e as ouvidorias públicas fizeram mudar. Criando uma central de atendimento, como no caso aqui de São Paulo, facilitou muito a orientação geral para milhões de habitantes. Você quer pedir um serviço, está com dificuldades de relacionamento com determinado órgão, então nós estimulamos o uso dessa central de atendimento. Hoje, ela tem regulamentada mais de 600 naturezas de serviços, que atendem milhares de pessoas. Isso foi uma clareza que surgiu com a ouvidoria, e ela se coloca numa posição de retaguarda onde o cidadão pode recorrer, porque naquele relacionamento direto ele não obteve êxito. Aqui nós fazemos essa triagem: não cumprido o prazo de alguma solicitação do cidadão, cai na ouvidoria. Essa demanda é muito grande, nós recebemos centenas de chamadas diárias. Isso porque a população não conhece bem o que é a ouvidoria, senão com certeza a demanda seria ainda maior. Nós temos um perfil de quem procura a ouvidoria, e geralmente são pessoas que tem acesso à informação, estão numa região mais centralizada, embora temos procurado criar facilidades. A nossa central de atendimento possui ligação gratuita, para que a população possa entrar em contato conosco de qualquer parte da cidade sem custos. Ao longo desses quatro anos, nós implementamos vários mecanismos para criar essa facilidade. Há uma obrigatoriedade para que cada equipamento público tenha um informativo sobre a ouvidoria, mas nem sempre isso é cumprido. São cartazes que estimulam o cidadão a reclamar, se informar e denunciar.
Qual o objetivo da Ouvidoria?
A ouvidoria propõe-se a conhecer o grau de satisfação do usuário de serviço público, buscar soluções para as questões levantadas, oferecer informações gerenciais e sugestões ao dirigente do órgão, visando o aprimoramento da prestação do serviço.
A qualidade de serviços prestados pela administração se aperfeiçoa com a atuação da ouvidoria, uma vez que auxilia na identificação de pontos a serem aprimorados, contribuindo, desta forma, para a melhoria de procedimentos e processos administrativos, pois, mediante suas ações, presta assistência ao administrador e ao legislador na diminuição de processos burocráticos e de normas opressivas.
Ao exercer o seu papel defensor do cidadão na organização, o ouvidor tem revelado ser um importante instrumento de interação entre o órgão e o ambiente, aliado na defesa dos direitos do usuário, na busca de soluções de conflitos extrajudiciais e colaborador eficaz com os programas de qualidade implantados nas organizações.
A sobrevivência das organizações está intimamente relacionada à sua capacidade de adaptação e flexibilidade às contingências do ambiente econômico, social, cultural, ecológico e tecnológico.
Entidades públicas vêm dotando o ouvidor de uma sensibilidade na captação de problemas, encaminhamento de sugestões e livre acesso entre os diversos setores da organização na busca de soluções, contribuindo para o aperfeiçoamento do atendimento e valorização dos cidadãos.
O ouvidor também pode atuar em defesa da administração, procurando subsidiar o atendimento de reivindicações de funcionários, exercendo um controle preventivo e corretivo de arbitrariedades ou de negligências, de problemas interpessoais ou, ainda, de abuso de poder das chefias.
Fonte: Ouvidoria-Geral da União