Autor: Dane Avanzi
A polêmica da espionagem cibernética suscitada pelas declarações do ex-agente Edward Snowden alterará a internet mundialmente em suas entranhas e substância. Questões antes despercebidas quanto à disponibilização de conteúdo em suas mais diversas modalidades começam a ser discutidas pelos mais vários nichos e “players”.
Os conteúdos disponibilizados pela internet por sites de aluguel de filmes, por exemplo, começam a incomodar a indústria brasileira de televisão por assinatura. É inegável que os custos decorrentes de produção e distribuição de conteúdos que recaem sobre as emissoras tradicionais são elevados, ao passo que as empresas de aluguel, que fornecem conteúdos com assinaturas muito acessíveis, por volta de 15 reais por mês, por estarem fora do país não pagam absolutamente nada de impostos, causando indiretamente evasão de divisas aos cofres públicos e concorrência desleal às operadoras regularmente constituídas.
Esse assunto já foi pauta de reclamação das principais operadoras com o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Esse problema, como outros da internet, não são exclusivos do Brasil. Segundo o Ministro, a Alemanha e a França estão estudando meios de combater as empresas estrangeiras de conteúdos televisivos e o Brasil também deve criar mecanismos para coibir essa competição predatória.
Esse tema, em verdade, está intimamente ligado com a regulamentação da internet, que possui milhares de vertentes. Hoje não há mecanismo legal para coibir a atuação dessas empresas. Se elas estão fora do Brasil e recebem suas mensalidades via cartão de crédito, como o governo pode efetivamente controlá-las? Inclusive, assevere-se, não fazem nada de errado do ponto de vista legal, a lume da Constituição Federal e do Estado Democrático de direito.
Segundo o Princípio da Legalidade, pedra angular da relação entre Estado e Sociedade, tudo é permitido às pessoas de direito privado, salvo aquilo expressamente proibido por lei. Logo, se não há lei que proíba, não há crime.
Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que será um marco regulatório para essas e outras questões. Entretanto, enquanto a Câmara dos Deputados não chega a um consenso sobre o Marco Civil da Internet, que fixa princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações pode sair na frente e regulamentar a neutralidade da rede, o ponto mais polêmico do Projeto de Lei.
A controversa obriga provedores de conexão a tratar de forma isonômica os usuários, sem diferenciar a velocidade pelo conteúdo acessado. Significa, basicamente, que todas as informações que trafegam na internet devem ser tratadas da mesma forma, sem favorecimento por qualquer motivo. O assunto é complexo porque toda a estrutura comercial das operadoras está tabelada de modo a conceder maior velocidade a quem paga mais e nesse contexto não tem como todos os usuários serem iguais perante a rede, como propõem o projeto.
A internet nasceu num ambiente de extrema informalidade, em razão, sobretudo, de sua abrangência global, mas seus dias de inocência há muito se foram. Medidas restritivas prometem alterar sua característica “livre”, até porque liberdade implica em responsabilidade. Outra questão subjacente ao tema é a criação de uma estrutura de fiscalização para todo o ambiente da internet, pois não haverá efetividade no cumprimento das normas sem vigilância do poder público.
A questão da convergência digital promete alterar profundamente todas as ferramentas de acesso à informação, com ênfase na questão de segurança da informação e, cabe ao Governo Federal se preparar para esse novo ambiente e arquitetura de internet que se desenha. A internet, nos próximos anos passará por maior regulamentação, estando como tudo na vida sujeito a ciclos de expansão e retração.
Dane Avanzi é advogado e superintendente do Instituto Avanzi, ONG de defesa dos direitos do Consumidor de Telecomunicações.