Autor: Flavio Ditt
Invenções do Professor Pardal, como uma datilógrafa robótica ou um organizador automático de fichários, poderiam ilustrar a velha abordagem de “automação”. De certa forma, durante décadas a tecnologia foi aplicada para aumentar a produtividade e reduzir custos nas atividades já consolidadas na economia e na vida. Neste momento, em que os nativos digitais começam a predominar no público de vários negócios, perde quem não questiona tudo e ganha quem antevê transformações radicais e relevantes.
Há poucos anos, telefonar para uma central de táxi (e ter que informar detalhes da localização), preencher formulários redundantes e postar pilhas de documentos eram contratempos banais. Esse cenário desmorona quando uma geração de empreendedores combina as possibilidades tecnológicas com uma visão crítica dos processos de negócios e da experiência do cliente.
O apelo de comodidade do e-commerce, por exemplo, evolui para sistemas de vendas consultivas. De forma semelhante, mecanismos de buscas, analytics, inteligência programática (a capacidade de reunir dados de diversas fontes, regras de negócios e templates para uma resposta relevante) e outras tecnologias acessíveis podem agregar muito à visibilidade da marca e aos resultados com novos públicos.
Do outro lado do balcão, a consolidação do smartphone como mídia “universal” de comunicação e serviços é outro vetor determinante. Companhias genuinamente digitais, como os bancos sem agência ou serviços de transporte, chegam a deixar em seus web sites apenas o link ao aplicativo móvel, que passa a ser o canal exclusivo. Embora isso seja exceção, essas referências devem ser olhadas de perto, principalmente pelo cuidado que precisam ter com sua porta de entrada. E saída.
Conforme previsão do Gartner, até 2019, pelo menos 20% das marcas abandonarão seus aplicativos móveis, por constatar um retorno abaixo das expectativas. Em parte porque os aplicativos móveis são implacáveis com a falta de objetividade. “Construir o autosserviço a partir de processos bem mapeados”, uma premissa básica no desenvolvimento de qualquer front end, deixa de ser uma recomendação de “melhores práticas” e fica evidentemente mandatório.
Para usuários que mantêm meia dúzia de aplicações de mensagens e redes sociais permanentemente ativas em seu celular, o omnichannel é um conceito natural. Do ponto de vista da comunicação com clientes, uma boa avaliação dos hábitos pode mudar toda a estratégia de qualidade de atendimento. Na prática, o smartphone faz quase tanto pela palavra escrita quanto o Gutemberg. Tipicamente, as pessoas mantêm uma ou mais conversas preferencialmente por texto, mesmo que com várias mídias acessórias. Em centrais ou grupos de atendimento a clientes, a possibilidade de respostas assíncronas pode representar um alívio na pressão e nos custos operacionais e permitir que se foquem os recursos na qualidade do retorno.
Seja no autosserviço ou nas interações humanas, três premissas caracterizam as expectativas dos novos públicos: transparência, agilidade e racionalidade. Se dispuser da informação que precisa, apresentada claramente e na hora certa, o cliente se coloca como parceiro nas iniciativas de redução de custo.
À medida que lidamos com a primeira geração cujas crianças já ensinaram algo ao avô, o primeiro passo é prestar atenção aos questionamentos e contrariedades. E ver por que não. Muitas vezes, no próprio serviço convencional de atendimento se empurra a complexidade dos sistemas e dos processos corporativos ao operador, o que acaba gerando uma interação insuficiente e desgastante para ambos. Nesse contexto, automações simples, como unificar o workflow de tarefas feitas em vários sistemas, são alguns dos passos iniciais para cumprir as expectativas do cliente digital.
O movimento conhecido como transformação digital não muda apenas a forma de interagir com o cliente, mas também toda a configuração de alguns segmentos de mercado. Desburocratização financeira com inteligência antifraude; serviços de analytics para classificação de perfis; e capacidade de customização das ofertas são algumas das mudanças que quebram barreiras de entrada em todos os setores, não apenas nas empresas digitais, que sempre estiveram a um clique de seu concorrente.
Não poderíamos caracterizar este momento como uma “transição”, uma vez que surgem a todo momento tecnologias e modalidades de uso que redefinem o destino da jornada digital. O que se coloca como irreversível é o protagonismo de um cliente que acredita que o melhor é viável, razoável e merecido.
Flavio Ditt é diretor executivo da Coddera.