Armando Correa de Siqueira Neto
Após décadas movidas por saltos tecnológicos e avanços contínuos, com profundas repercussões sociais e transformações nos hábitos de consumo e na maneira de se relacionar, o ser humano deparou-se com um novo momento, o qual, demanda exaustiva reflexão e conseqüente modificação: o uso de mais capacidades existentes em si próprio para lidar com tamanha mutação. Embora as máquinas e os programas informatizados já convivam com o homem, há novos desafios que despontam na vida organizacional. É preciso encará-los rapidamente e entender o novo papel a ser desempenhado pelos colaboradores, desde a cúpula até a base organizacional.
A adaptação e o desenvolvimento obtido por meio da tecnologia levaram muitas pessoas a aprender coisas que há bem pouco tempo sequer imaginavam. Computadores interligados e softwares para gerenciar o funcionamento das áreas envolvidas na vida produtiva. Transmissão de informações geradas em um notebook. Aprendizagem e negociações realizadas a distância por meio de transmissão simultânea de imagens a paises distribuídos pelos continentes, e até a manipulação de átomos e moléculas com o propósito de se criar novos materiais e produtos: metais e plásticos, por exemplo, com peso reduzido e aumento de sua resistência, fruto do que se denominou nanotecnologia. Em suma, é uma visão contemporânea de fatos que não passavam de meras especulações da ficção há anos atrás. Olhares atônitos crescem a cada novidade lançada no mercado. O tempo não pára e o homem precisa continuar. Apesar da complexidade que se formou, está em nosso poder a chave para abrir um pouco mais a porta do universo psíquico e simplificar esta “bagunça” sócio-tecnológica.
O conhecimento adquirido por meio das instituições educacionais é uma relevante linha nesta trama cheia de nós. As formações nas diversas áreas do saber e as pós-graduações têm a função de direcionar a especialidade a que se destina o profissional. Contudo, não possuem a habilidade de estimulá-lo à interconexão dos saberes. Ou seja, relacionar e reunir conhecimentos fragmentados, refletir e ter insight elucidativo acerca de um tema não é uma questão puramente técnica, mas antes, uma articulação mental que envolve tempo, prática, erro e acerto, até culminar em uma espécie de processamento das coisas percebidas e registradas pelo cérebro – conexão praticada entre os neurônios. Por tal razão, retoma-se, providencialmente, a idéia de se exercitar o conhecimento por meio da articulação filosófica. Busca-se, ainda, resolver algumas questões existenciais do ser humano, haja vista as perguntas se manterem inalteradas em relação ao passado: Quem sou eu? Qual é o meu destino? Qual é o meu papel na convivência humana? Tal fato está calcado na sensação de vazio e superficialidade presentes no cotidiano. Apesar de tantas coisas que nos rodeiam, a inquietude da solidão parece preencher o espaço que deveria se destinar ao equilíbrio, cuja função auto-reguladora é a de também desequilibrar e importunar para a ação e a mudança e, novamente equilibrar, no movimento espiral ascendente da evolução. Porém, há mais desequilíbrio por hora.
A dificuldade, portanto, está em conseguir se desligar do mundo exterior e voltar-se à vida interior. Nos mantemos presos a exterioridade pelas nossas próprias invenções e esperanças em satisfazer os desejos pessoais. Nos envolvemos mais pela aparência captada pelos sentidos do que pela louvável meditação interna. É quase impossível se desligar dos milhares de estímulos externos. Como é possível, por conseguinte, articular e elaborar qualquer questão sobre si mesmo e a respeito dos propósitos de convivência? E ainda, questiona-se, como desenvolver o necessário processamento das coisas percebidas pelo cérebro, usando os conhecimentos fragmentados, para se obter os insights cruciais à sobrevivência e às novas adaptações ao mercado profissional? Como desenvolver mais o potencial humano?
Para o psicólogo norte-americano Abraham Maslow (1908-1970), é preciso estabelecer um compromisso consigo próprio a longo prazo com o crescimento e o desenvolvimento máximo das capacidades. Evitando, desta forma, a acomodação, falta de auto-confiança e a preguiça. Os desafios servem como estímulo. Entretanto, destacou que algumas influências negativas do passado podem nos prender a comportamentos improdutivos. Outro ponto é a influência e a pressão social de se manter favorável a opiniões e preferências de grupos e, ainda, algumas defesas internas nos distanciam do contato conosco mesmo.
Tratar com vigor as questões que entravam o processo de aperfeiçoamento parece ser uma medida fundamental. A supremacia humana consiste em resolver os impasses psíquicos, muitas vezes com ajuda especializada, e fazer uso do potencial articulador do conhecimento, adquirindo-o incessantemente, retalhando-o e, sobretudo, interrelacionando-o a outros conhecimentos, remontando-o e finalmente produzindo novo saber. A simples acomodação das informações é um arquivo morto sem sentido para o ser humano, tal e qual ocorre em muitas gestões que pretendem administrar o conhecimento. Todavia, o significado e a utilidade prática são a energia que movimenta a motivação e a progressão das idéias. Temos a possibilidade de transcender a esta situação caótica e já o provamos em etapas anteriores por meio da história. Nós podemos. Somos bem mais do que meros passantes numa jornada, que armazenam dados para uma ocasião provarmos ao outro que ele errou alguma data ou nome de um país, sem real importância, numa espécie de jogo infantil de pura vaidade. A concorrência existe entre todos nós e pode ser mais saudável se assim o desejarmos. Não obstante, a verdadeira competição está em superar a si mesmo, desbravando o seu potencial e usando-o proporcionalmente aos avanços.
Organizações inteligentes despem-se dos modismos de mercado e buscam a sua autonomia prezando o desenvolvimento humano como um valioso bem a ser conquistado. Elas se comportam como um sábio que entende a força da fome e o impacto causado pela sede, não fugindo à realidade. Mas este fato se estende também ao universo filosófico do bom uso do conhecimento. Das necessidades básicas às sofisticadas. Elas não se esquecem que as pessoas têm potencial e se motivam por seus avanços e o merecido reconhecimento. Elas aprendem a pensar também.
Todavia, não nos tornamos filósofos sociais e organizacionais por meio de algumas lições apresentadas num treinamento apenas. É ingenuidade acreditar que aprender a articular o conhecimento, transformando-o em hábito de se produzir saber útil e transformador advém de algum manual com os “quinze passos infalíveis para a transformação do capital humano”. Pés no chão e força de vontade são a maneira simples de promover a revolução do psiquismo.
Contudo, podemos concentrar os esforços em alguns focos: desenvolver e impregnar a empresa com a cultura do simples por meio da convivência natural, e o fluxo de comunicação rotineira. Discutir e pactuar a mudança com as lideranças. Apresentar claramente e com insistência a todos os colaboradores, terceirizados e fornecedores, os objetivos que se têm a respeito da transformação e da evolução humana dentro da organização. Se reunir, planejar, acompanhar e avaliar o andamento da mudança. Disponibilizar tempo e lugar para se exercitar a articulação filosófica dos conhecimentos. Deve existir flexibilidade, todavia, ela deve ter limites. Do contrário, todos retomam os velhos hábitos e detonam o propósito de transformação. Não adianta impor tal exercício aos mais resistentes, mas não faça corpo mole com eles. Cobrar faz parte de qualquer jogo. Ter regras também. E ainda, não encare este novo processo como algo místico, desestimulando a turma de exatas. Porém, ao ler no dicionário o significado do termo, encontrar-se-á que misticismo é o estado espiritual de união com o divino, o sobrenatural, ou ainda, religiosidade profunda. Portanto, lembremo-nos de que várias pessoas crêem em algo místico e vencem, superando as próprias dificuldades, provando aquilo que às vezes se tenta contradizer por pura falta de conhecimento a respeito. Permitir a diversidade complementa o rol de focalizações a serem observadas.
Empreender um movimento desta envergadura requer boa dose de coragem, desprendimento e persistência. Mas o mundo pós-moderno exige que se processem transformações de muitas ordens, especialmente a humana, resgatando antigas formas de se pensar e se adaptar à realidade dos problemas atuais. A supremacia humana está em se desenvolver a partir do potencial disponível e contar com a ajuda de outras pessoas que formam a organização.
Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo e diretor da Self Consultoria em Gestão de Pessoas. É mestrando em Liderança pela Unisa Business School. ([email protected])