Crédito: novo ciclo para uma nova era


Um tema que sempre me interessou muito é o da função social do crédito que é, ao final do dia, do próprio sistema financeiro como tal. Claro que quando contrastamos cenários de exclusão social do acesso a canais regulares de financiamento, soa quase uma contradição em termos falar de função social do crédito.

Ao menos em tese, a discussão pode ser bastante rica e muito útil como material de avaliação de nossas estratégias e mecanismos de gestão. Senão vejamos, o total do endividamento pessoal no Brasil é menos de 27% do PIB, contra uma média no mercado norte americano, por exemplo, superior a 40%, ou a bagatela de US$ 4.5 trilhões. Só em cartões de crédito, o consumidor americano tem mais de US$ 800 bilhões em crédito tomado, quase 1.5 vezes todo o PIB brasileiro.

Alguns paradigmas que têm sido desafiados recentemente lançam novas luzes sobre a dinâmica e o desenvolvimento de nossos processos de crédito. Há experiências em curso, por exemplo, de redução de taxas de juros de cartões de crédito para clientes Premium, que nem sempre têm resultado em alavancagem de financiamento para as administradoras por aqui, indicando que há uma inelasticidade importante em relação à tomada de crédito pela via do cartão, independente da taxa, nos segmentos de clientes que tradicionalmente não financiam.

E este é um primeiro interessante paradigma desafiado, de que não se usa crédito porque as taxas são altas. O ponto é que, como veremos, essa é apenas parte da questão. De outro lado, há mais um aparente conflito, típico do melhor estilo ´chicken-and-egg´: as taxas são altas porque há inadimplência ou há muita inadimplência porque as taxas é que são altas? Claro que esse é um falso dilema, porque no fundo a questão é outra: o sistema não pode assumir perdas caso não esteja preparado para absorvê-las e transforma o excedente dos juros em hedge para os riscos de sua exposição de crédito. Essa é a lógica primária dos juros altos, usual e largamente repercutida pelos interlocutores do mercado.

Por outro lado, a população tem sim perfis distintos em relação à prática de crédito e financiamento, que devem ser entendidos e respeitados para o seu correto gerenciamento. Classicamente, no mercado de cartões, notadamente nos Estados Unidos, os usuários são divididos em transactors e revolvers. No mercado norte-americano, onde mais de 80% dos gastos em cartão entra em revolvência (gerando cerca de 75% do total das receitas dos emissores), há um nicho de clientes que, por opção, não toma crédito no cartão, liquidando a fatura integralmente na data de vencimento.

Não é de surpreender que iniciativas de redução de taxas de juros dirigidas a este tipo de cliente não venham a lograr maior êxito: é um segmento quase insensível a essas flutuações, o que de resto é fácil constatar diante de sua inércia mesmo diante dos atrativos 10-14% anuais cobrados em média pelos cartões nos EUA. E essa é muito provavelmente boa parte da razão pela qual vários casos de cartões Premium não geram mais rotativo mesmo diante da oferta de taxas menores levada a prática em experiências recentes: ele se destina, primordialmente, a um público de perfil não revolvente.

A chave estará justamente em aceder ao público tomador de crédito. De saída, aliás, público tido e havido como de maior risco e, portanto, por definição, sujeito aos rigores de taxas elevadas. Tal é o tamanho do real desafio: buscar os revolvers e com eles praticar a ousadia da personalização. Estender a oferta de crédito para quem precisa, o que vem a ser talvez a melhor síntese para definir a função social do sistema.

Fundamentalmente, estamos falando de um processo fundado em três grandes alicerces: informação, educação e soluções. Certo é que há muito por fazer em cada um deles, mas já há exemplos e iniciativas alentadoras indicando as oportunidades e a direção para o futuro. Em muitos países, sistemas de informações creditícias já circulam como mercadoria corrente, de forma estruturada e francamente acessíveis a todos os consumidores. Nos Estados Unidos, o cidadão médio conhece – e busca – perfeitamente o seu Score, sabe o que é, para que serve e como pode fazer para potencializá-lo.

Com um bom histórico, o consumidor melhora o seu Score, cuja pontuação é pública (há três gigantescos bureaus, que consolidam e reportam as informações e, conseqüentemente, torna-se elegível a mais crédito, linhas especiais (leasing de automóveis, por exemplo) e a taxas mais baixas, inclusive às mágicas ofertas de balance transfers, com 6, 9 ou até 12 meses de juros zero.

Simples, lógico, cadenciado. Essa é a chave da cadeia produtiva americana: credit history. O cidadão compra – com crédito – paga em dia, torna-se elegível a crédito mais barato e – bingo – compra mais!

Na Argentina e no Chile, por exemplo, o cidadão médio também já tem consciência desse ciclo e começa a pautar-se sob essa perspectiva.

A educação ao consumidor e a formação de sua consciência crítica em relação aos hábitos de consumo, ao sistema financeiro, às ferramentas de acesso a crédito e à melhor maneira de utilizá-las é uma das pilastras sobre a qual se assenta toda a estrutura do sistema. Nesse sentido, louve-se iniciativas recém inauguradas como o Portal Finanças Práticas (www.financaspraticas.com.br), da Visa do Brasil, com apoio institucional de empresas como Rádio Eldorado, Abecs, Febraban e EQUIFAX. A iniciativa, recém introduzida no Brasil, já é um sucesso em mercados como México, por exemplo, onde a Visa International reporta mais de 300 acessos diários nos primeiros 60 dias de atividade.

É com grande entusiasmo que nos vemos envolvidos nesta jornada. No final do túnel, seguramente, estará o entorno de uma economia movida por um sistema efetivo de crédito como propulsor do desenvolvimento e da atividade produtiva. E teremos cumprido nossa função social.

Max Basile, vice-presidente de Marketing e Produtos da Equifax.

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