Em seu estudo, “A Crise Econômica e a Dinâmica das Compras da Família Brasileira”, o Ibope Inteligência descobriu que a crise trouxe a conscientização política e a conscientização de consumo. Como resultado, surge um novo consumidor empoderado, que tende a ser mais racional, infiel às marcas e oportunista. Esse consumidor encontra no próprio consumo sua maneira de protestar contra a crise e reage deixando, por exemplo, de comprar marcas com preços abusivos. Assim, cria-se um maior espaço para experimentação de novas marcas e consequentemente criação de novos vínculos.
Realizada em janeiro deste ano, a pesquisa, feita com 2002 entrevistas em todo Brasil, aponta que 82% dos brasileiros consideram que o País está no rumo errado; 61% dizem que já alteraram ou planejam alterar o hábito de consumo e planejamento financeiro. Entre esses, grande parte afirma que vai reduzir os gastos com lazer (41%), sair menos para comer fora (37%), passar a poupar mais pensando em dificuldades futuras (30%), adiar ou desistir de comprar um carro/moto (27%) e reduzir gastos com cartão de crédito (27%).
O estudo mostrou ainda que as marcas precisam redobrar o cuidado ao tratar com o consumidor na crise. Devendo se preocupar tanto no âmbito tático como no estratégico, com a quebra de paradigmas e inovação. As ações táticas de promoção e descontos são indispensáveis, assim como as promoções de produtos premium, tão raras de acontecer em tempo de vacas gordas, ou ofertas de “mais” produtos pelo mesmo valor.
Low Consumerism
A crise, e a conscientização, reforçou o Low Consumerism, no qual o consumidor passa a refletir sobre sua real necessidade de consumo (“preciso mesmo desse item?”), tanto por motivos financeiros como pela conservação do planeta. As marcas devem mostrar para os consumidores que a escolha consciente vai além dos benefícios financeiros. Por exemplo, embalagens menores que ajudam a consumir na medida certa, sem desperdício. Ou mesmo uma embalagem tipo refil, que barateia o custo do produto ao mesmo tempo que beneficia a natureza. É preciso mostrar empatia, pois as marcas também sofrem com a crise, para que os consumidores não se voltem contra as empresas.
Entre as conclusões que o estudo apresenta para que as marcas sigam em frente nesta fase, estão: reconhecer o poder dos consumidores e deixar isso explícito para eles; valorizar suas escolhas conscientes ou ponderadas e dar motivos/razões que justifiquem de algum modo essa escolha; transmitir ideia de solidez, da compra como investimento; customizar, deixando o consumidor escolher do jeito dele; resgatar a noção de lazer, divertimento, momento de respiro para esquecer da crise; utilizar-se de um tom de transparência e parceria, não paternalismo.
Comportamento e consumo
Em seu outro estudo, “Brasil: Contexto & Tendências”, realizado em parceria com o semioticista Bruno Pompeu, o Ibope apontou que as tendências de comportamento e consumo nascem em pontos distintos da sociedade. E isso não ocorre, necessariamente, nas classes mais privilegiadas para, depois, serem adotadas pelas demais. O consumo brasileiro foi dividido em dois universos distintos, antepostos entre si, mas permeáveis: dos valores elitizados e dos valores populares. A pesquisa propõe uma abordagem sobre as tendências, buscando interface entre o estratégico e o tático, com objetivo de ajudar na articulação entre o planejamento e a execução, entre o mundo das ideias e a concretização das ações.
Para Marcia Akinaga, diretora de pesquisa qualitativa e inovação do Ibope Inteligência, “o estudo demonstra que a classe mais alta pode ter valores de consumo populares assim como um consumidor de classe baixa ter valores de consumo elitizado”. “Ao analisar essas tendências, sob a luz da atual crise brasileira, verifica-se uma aproximação desses dois universos, um estreitamento, fruto da racionalização do consumo e consequentemente maior conscientização e o empoderamento do consumidor. O consumidor ficou mais exigente e o pessimismo tomou conta da sociedade”, complementa.
A seguir, um resumo das 16 tendências do consumo que surgem da análise de duas faces (valores populares e valores elitizados), a partir de oito conceitos:
Vínculos familiares: valores ligados ao círculo familiar, envolvendo confiança, origem, rotina, ambiente doméstico etc.;
Minha fonte de prazer: tudo aquilo que me proporciona um prazer íntimo, ligado ao sensorial, livre das regras.
Quero fazer parte: aquilo que me conecta afetivamente ao coletivo, que me faz sentir parte de um grupo positivamente avaliado;
Consumo identitário: mostrar ao outro a minha identidade, como forma de expressar algo de superior e de conquista;
Melhora no cotidiano: o que eu tenho dentro de casa e que serve para que a minha vida seja melhor, mais fácil e mais prazerosa;
Local de referência: grupo eletivo de pessoas que fazem parte do meu dia a dia, ainda que mais simbolicamente do que concretamente;
Conceito de nação: espaço geográfico a que me sinto pertencente, que ajuda a definir minhas referências de origem e circulação;
Valor do trabalho: tudo aquilo que esteja ligado ao trabalho, às realizações e à minha formação técnica ou intelectual.