Autor: Leonardo Barci
Às vezes esbarramos em situações no relacionamento com as empresas que nos servem, que parecem no mínimo curiosas. Percebemos que o relacionamento está deteriorado quando surgem frases como: “Este cliente não paga por isso”; “Isso vai além da responsabilidade da empresa”; ou até algo mais pesado como: “Isso pode ser ilegal”; ou a célebre: “Eu só trabalho aqui”. Todas estas desculpas são muito bem-vindas quando um dos dois lados do relacionamento não quer nenhum tipo de comprometimento.
Antes que o cliente se coloque como inocente, o consumo é uma das formas mais fortes de responsabilidade civil. Embora inconsciente, comprar, por exemplo, um produto que utilizou mão de obra escrava em sua produção é, sem perceber, apoiar este tipo de prática. Infelizmente, não é possível se proclamar plenamente são em uma sociedade doente.
Há poucos meses, em uma situação pessoal, tive um problema daqueles do tipo solução empurra-empurra. Aquele onde todo mundo é inocente. Foi, no mínimo, um grande aprendizado. Em uma linda manhã de verão, recebo uma mensagem de cobrança da administradora do apartamento onde resido com a minha família. Primeiro achei que tivesse sido um equívoco, afinal, eu havia programado o pagamento no dia em que recebi o boleto. Depois de consultar o extrato do banco, porém, notei que de fato, o agendamento não havia compensado.
Depois de investigar, descobri que houve um problema na compensação. A pessoa do banco que me atendeu informou que haviam mudado as regras bancárias e que o boleto não estava registrado, por isso, o banco não pôde compensar.
Retornei para a imobiliária e naturalmente o problema não era deles. Já com algum grau de irritação, resolvi incluir na ligação a gerente do banco. Depois de alguns minutos de empurra-empurra, o banco resolveu averiguar com mais profundidade o que havia acontecido. A imobiliária, por outro lado, jurava de pé junto que havia registrado o boleto no sistema bancário. O problema é que o desconto de 30% no valor do pagamento já havia caído por conta do atraso.
Depois de dois dias, a gerente do banco me retornou dizendo que o banco assumiria o prejuízo pelo atraso. Perguntei o que motivou a decisão. Ela disse que eu era um cliente importante para a instituição e que ela iria assumir o prejuízo. Agradeci a gentileza, mas disse que não pretendia me amarrar em uma relação assim.
Investiguei um pouco mais e descobri que o boleto havia sido registrado, mas não o desconto. Pedi então que ela formalizasse por escrito que eu retornaria para a imobiliária. Não me pareceu justo repassar o problema de uma parte para outra apenas para me livrar dele. Após uma intermediação entre todos, recebi uma ligação, em uma sexta-feira às 17:59h, me perguntando se seria possível eu efetuar o pagamento pelo sistema eletrônico ainda naquele dia. Um pouco irritado com toda a situação, pedi a liberação do boleto e fiz o pagamento em alguns minutos para tentar me livrar o mais rápido possível de todo aquele aborrecimento.
Depois de tudo, resolvi refletir sobre esta experiência e sobre a relação das empresas e dos clientes e o que eu poderia aprender com isso. Meu primeiro aprendizado é que o banco não estava nem aí para seus clientes. O boleto agendado não foi pago e depois de vários dias, não recebi nenhum tipo de aviso. Posso estar sendo injusto, mas afirmo com relativa segurança de que meu problema não foi o único durante a mudança de regras. A proposição da gerente para mim soou como: “Nós queremos nos retratar por não ligar para você como cliente”, nada além disso. Já a imobiliária emitiu um novo boleto sem juros e ainda com o desconto inicial. Para mim, até aqui, nenhuma boa ação.
E da parte do cliente? Descobri que o posicionamento do tipo Robin Hood de que as empresas ganham muito e por isso o cliente tem o direito de se aproveitar, é no mínimo equivocada. A máxima de olho por olho, forma no final uma sociedade de cegos. A questão de altos lucros e desequilíbrio na relação é uma questão social e não moral. Percebi que, como cliente, a minha responsabilidade nesta história toda era a de ter verificado na minha conta se o débito havia sido confirmado. Sorry, não dá para se eximir desta responsabilidade. São por estas pequenas questões, que aparentam ser de tecnologia, processos e procedimentos, que vem surgindo silenciosamente uma nova onda de Fintechs no mercado. No fundo, o que não está funcionando é o relacionamento.
Leonardo Barci é CEO da youDb.