Autora: Gabriela Szprinc
Começo de ano é sempre um bom momento para consultarmos a bola de cristal. Apesar de, muitas vezes, a realidade insistir em desmentir as previsões, acredito mesmo que o risco faz parte de qualquer negócio. E, por isso, me arrisco.
Mas não sozinha.
Assim que 2019 deu as caras, fui “presenteada” com um extenso relatório de insights sobre consumidores e seus hábitos de consumo, assinado pela Euromonitor International. Trata-se de 10 exercícios de futurologia para o ano, todos bastante ilustrativos da sociedade atual.
Escolhi falar sobre 5 deles em particular, pela proximidade com o nosso cenário.
Eu quero, e quero agora!
Eis uma tendência que pode representar a ruína para muitas empresas pequenas – ou uma oportunidade fabulosa para crescerem e se tornarem grandes. Estamos falando, basicamente, de tecnologia voltada ao big data, seara na qual as gigantes do setor se dedicam avidamente desde meados desta década. Coloque na lista itens como tecnologia 5G, inteligência artificial e Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), entre outros menos votados.
A missão de todas elas? Ajudar os consumidores a economizarem tempo e dinheiro – principalmente o primeiro, que anda bem escasso. De acordo com os especialistas da Euromonitor, “à medida que os consumidores passem a poder contar com a eficiência desses produtos e serviços, cobrarão o mesmo nível de excelência de todas as empresas, independentemente de seu tamanho”. Não é pouca coisa!
No cerne da questão, está a confiança dos consumidores/clientes/usuários na capacidade dessas companhias de manter seu s dados seguros. Isso significa dizer que empresas menores podem sonhar com dias de sucesso se copiarem as grandes organizações enquanto atendem as preferências de nicho. Se você pensou em mobilidade urbana e atendimento customizado, acertou em cheio!
De volta ao básico… pelo status
Os consumidores não querem mais lidar com produtos genéricos ou fabricados em escala industrial. Por isso, em 2019, a tendência é que eles deem preferência a produtos mais simples, mais básicos e que ofereçam qualidade acima de tudo. Ou seja, produtos com status embutido.
Nos últimos anos, assistimos a um aumento no número de pessoas que buscam “alimentos produzidos localmente, experiências de ´glamping´ (fusão das palavras ´glamour´ e ´camping´) de luxo, cervejas e bebidas artesanais, comida de bebê e até produtos de beleza feitos em c asa”, por exemplo.
Os consumidores querem produtos e experiências autênticos, diferentes e que representem sua individualidade. Tudo isso porque “parecer” se torna, a cada estação, mais importante do que “ser”. Culpa das redes sociais? Talvez, mas trata-se de tendência global, impossível de ser ignorada.
Consumidor cada vez mais consciente
Este é mais um item que tem tudo a ver com a agitação das redes sociais. O chamado “consumidor consciente” (e aqui não cabe nenhum julgamento de valor) é uma realidade implacável para as empresas – principalmente as grandes empresas. Se é verdade que a tendência começou nas classes mais abonadas da sociedade (em diversos países ao mesmo tempo), essa influência atravessou, na última década, as barreiras entre as faixas salariais e se espalhou rapidamente.
Motivo? É importante ser amigo dos animais, por exemplo. E também lutar contra o aquecimento global.
De acordo com o estudo, “preocupações sobre bem-estar animal chegarão a setores além de alimentação, beleza e moda, como cuidados domésticos, decoração, ração animal, entre outros”. O veganismo nunca esteve tão em alta quanto agora. E a explicação é que ele “elimina o peso de certos rótulos e permite que os indivíduos encontrem sua própria maneira de abraçar produtos com origem vegetal”. Por isso, a expressão “negócio responsável” mudou drasticamente na última década – ser responsável não é mais um diferencial, mas item obrigatório de qualquer empresa que deseje se manter no mercado.
Além dos produtos “conscientes” premium que já nos acostumamos a ver nas prateleiras das grandes e pequenas lojas (e que abo canharão uma fatia ainda maior de mercado este ano), vamos começar a ver o modelo migrar para PMEs e companhias cujos produtos são voltados às classes C e D, por exemplo.
Todo mundo é “expert”
Sim, o cliente nunca teve tanta razão quanto nestes tempos de internet em banda larga 24 horas por dia e sinal de wi-fi grátis a cada esquina. Esta é uma tendência de consumo predominante entre homens e mulheres de renda média-alta e alta, entre 15 e 40 anos de idade. Nos países ocidentais, até consumidores mais ricos exigem bom custo-benefício quando fazem compras – e costumam usar as redes sociais e seus grupos de interesse com fúria assassina para fazer o maior barulho possível sempre que se sentem vítimas de más experiências de consumo. Faz todo o sentido.
Porém, como se vê, este é um item do estudo que depende da capac idade de engajamento do cliente e de quantos seguidores ele tem. E, mais do que isso, se é considerado um formador de opinião por seus pares.
Isso porque, hoje em dia, os consumidores contam com a experiência de seus amigos ou conhecidos para garantir que consigam sempre o melhor em um mar revolto de opções. Segundo o estudo, eles “verificam as resenhas cuidadosamente antes de comprar um produto e estão cada vez mais propensos a dar sua própria opinião. Eles também dão a si mesmos mais trabalho antes, durante e depois da compra, pois se sentem empoderados graças a seu conhecimento e querem que os outros sintam o mesmo”.
Para as empresas, este é um cenário pantanoso, uma faca de dois gumes. Cliente empoderado cuja experiência de compra foi boa se torna um outdoor ambulante de boas indicações. Porém, se ele experimentou problemas… é crise nas redes sociais na certa.
Quero um mundo sem plástico
A Euromonitor estima que, globalmente, o plástico represente 63% de todas as embalagens de alimentos, bebidas, beleza, cuidados para a casa e ração animal. E essa insistência pela manutenção do material tem lógica: ele é versátil como nenhum outro e durável como poucos. Além disso, foi, durante décadas, fator fundamental para a redução do desperdício de alimentos no mundo inteiro.
O problema – e sempre há um problema – é que as novas gerações não querem nem ouvir falar de plástico. E a intolerância só piora a cada vídeo no YouTube com foquinhas presas em sacos de lixo ou tartarugas vítimas da ingestão de canudos ou embalagens de cerveja ou refrigerante. Afinal, a tão propalada durabilidade do plástico é exatamente o que faz dele o pior vilão da poluiçã o no planeta.
E o que veremos, mais e mais, a partir de agora é a ação reversa, partindo das empresas, para a substituição do plástico por produtos biodegradáveis (ou por nenhum produto, enfim). A cada dia, marcas do mundo inteiro se engajam na missão de tornar suas embalagens reutilizáveis, recicláveis e recicladas.
Como o próprio estudo da Euromonitor faz questão de ressaltar, “é importante não ignorar as contribuições valiosas do plástico ao ser humano. Ele é usado na medicina, construção e transporte. Também há benefícios inerentes gerados pelo material em relação à proteção e à eficácia de recursos”. Até por causa disso, esta é uma tendência que enfrenta questionamentos mais incisivos por parte das empresas e dos governos.
Talvez o ideal fosse trocar o slogan “100% livre de plástico” por “100% li vre de resíduo plástico”. Como? Adotando o conceito da chamada economia circular, ou seja, que invista no gerenciamento total da produção do plástico e na reutilização dos resíduos. Outro ponto: democratizar a informação sobre como descartar bem as embalagens, e facilitar esse descarte por parte do consumidor.
Estes são cinco passos que pretendo monitorar durante o ano, para ver se minha bola de cristal (e a da Euromonitor) estão em dia com a realidade dos consumidores. É sempre uma boa brincadeira de começo de ano. E uma ótima oportunidade para aprender mais e, se preciso, desenvolver novas abordagens.
Gabriela Szprinc é head de PMEs do PayPal Brasil.