Autor: Ricardo Assaf
Nas conversas e bastidores do mercado financeiro muito se escuta falar sobre as “fintechs”, expressão derivada da fusão de duas palavras em inglês financial e technology, as startups que podem criar um grande desafio para o setor bancário. A principal questão é o real impacto que podem representar para as instituições financeiras, conservadoras por natureza, e seus modelos de negócios e o respectivo impacto ao consumidor.
Atualmente, o Brasil tem 250 fintechs em operação e, metade delas, já fatura acima de R$ 1 milhão, de acordo com o relatório do FintechLab – o maior hub de conexão e fomento do ecossistema das startups de tecnologia financeira com abrangência nacional. Acabaram de lançar o Report 2017, uma espécie de radar que monitora o mercado.
O levantamento apontou 247 iniciativas distribuídas nas categorias de Pagamentos, representando (32%), Gestão Financeira (18%), Empréstimos (13%), Investimentos (8%), Funding (7%), Seguros (6%), Negociação de Dívidas (5%), Cryptocurrencies e DLTs (5%), Câmbio (4%) e Multiserviços (2%). O estudo revelou, ainda, que empresas de outros setores, como tecnologia, varejo e telecomunicação estão de olho nas oportunidades geradas por esse movimento.
Antes de fazer uma conclusão precipitada, é importante conhecer um pouco da história dos bancos nacionais e sua relação com a tecnologia. Diferentemente da Europa em que as grandes empresas de Telecom ditavam as tendências e investimentos em novos modelos e tecnologias, no Brasil, os grandes bancos sempre foram os precursores e grandes incentivadores do uso de novas tecnologias, principalmente no segmento de varejo. É conhecido por poucos que o primeiro grande banco no mundo a adotar a internet como forma de relacionamento com clientes de varejo foi um banco brasileiro, de grande repercussão no País.
Foi uma das primeiras empresas no Brasil a utilizar computadores para administração dos negócios e um dos primeiros bancos da América do Sul a automatizar as operações. Em 1980, essa mesma instituição já detinha a liderança em tecnologia em seus processos, iniciando a revolução tecnológica no mercado financeiro, com a comunicação de dados via satélite, além de inaugurar o primeiro home banking, considerado na época um serviço inédito de atendimento ao consumidor. No ano seguinte, é lançado o sistema de uso de cartões magnéticos para realizar operações bancárias on-line.
Na visão das instituições financeiras, principalmente dos grandes bancos, não faltam motivos para entender o porquê da preocupação e investimentos. O tamanho quase continental do Brasil, a necessidade de atender pessoas em lugares remotos a um custo competitivo, o fato dos usuários brasileiros serem mais adaptados às novas tecnologias, inteligência no controle de riscos, tanto nas operações quanto nos processos, dentre outras inúmeras razões, respaldam esse tema. Por estas e outras razões os bancos sempre foram os que mais investiram, e investem, em tecnologia.
Dados da Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária em 2015, realizada pela Deloitte, mostrou que, entre os Brics, o Brasil é o país que mais destina recursos em TI no setor bancário. O valor direcionado pelos bancos é, em geral, na ordem de R$ 20 bilhões, média registrada nos últimos cinco anos. Ocupamos a sétima posição entre as dez maiores economias que mais aporte faz em tecnologia, ao lado da Alemanha, França e Índia.
No passado, os gerentes e agências tinham um grande impacto no relacionamento com o cliente final, basicamente uma relação pessoal que se estendia fora da agência e permitia um entendimento profundo dos riscos. Hoje, esta relação no varejo é praticamente anulada pelo uso de sistemas complexos nas agências, que eliminaram as alçadas e o poder de decisão dos gerentes e diretores. Mas, afinal, qual a relação disso com as fintechs?
O meio financeiro necessitava de plataformas tecnológicas que, além de inovar todo o processo burocrático existente, sejam capazes de aproximar clientes e instituições em frações de segundos. São startups de tecnologia disruptiva, ou seja, oferecem um modelo de negócio mais enxuto, acessível, projetando uma margem de lucro maior, bem como conectam todo o mercado, dinamizando a oferta de serviços financeiros. São ágeis e com grande liberdade e criatividade, geridas por jovens empreendedores que entenderam que o engessamento e a concentração de capital são, na verdade, oportunidades.
Por outro lado, em sua maioria, as instituições financeiras concentram valiosas informações de banco de dados comportamentais de seus clientes, especialização em nichos, tradição e renome no mercado, além de uma capacidade de gerar, junto ao mercado, funding perene às operações. Por exemplo, as Sociedades de Microcréditos – as SCMEPPs – autorizadas e reguladas pelo BACEN, iniciaram o uso de tecnologias para tornar mais eficiente o acesso ao cliente final: na prática as tecnologias atualmente usadas como tablet e mobile, algumas criadas por fintechs, visam não só baratear o custo de transação para o cliente final, como também criar experiências, linguagens simples e diretas a públicos e nichos que, muitas vezes, são marginalizados no sistema financeiro tradicional.
Existe uma grande sinergia entre as fintechs e as Instituições Financeiras, independentemente do tamanho e segmento. A capacidade de inovação que elas têm, aliado ao conhecimento de mercado, tradição e a capacidade de funding das instituições financeiras, podem gerar um enorme ganho aos consumidores finais, não só em questões financeiras – com produtos e soluções mais simples e baratas -, como também desenvolver uma experiência mais agradável, direta e eficiente de relacionamento.
Ricardo Assaf é presidente da ABSCM – Associação Brasileira das Sociedades de Microcrédito.