Importância do servir desinteressado

Autor: Leonardo Barci
Reza a lenda que o amor é a conexão que há entre tudo e todos. Talvez algo estranho quando tratamos de relações comerciais. Será? Ao longo dos anos, percebi conexões invisíveis e muitas vezes inexplicáveis entre empresas e clientes. Perguntas simples como: Por que esta empresa tem menos reclamações do que aquela? Por que um produto novo lançado por esta empresa tem maior aceitação? – mesmo que o produto não seja necessariamente melhor. Por que esta empresa tem clientes mais fiéis?
Quando se tem poucas opções para uma determinada necessidade, estas perguntas não chegam a ser relevantes. Se uma pessoa, por exemplo, mora em uma pequena cidade onde há apenas uma padaria, e o produto/serviço não é lá essas coisas, sobram poucas opções para se adquirir o que se precisa: comprar o produto, mesmo que não agrade (e transformar essa insatisfação em motivo de conversa na próxima roda de amigos); fazer (o pão) por si mesmo; ou deslocar-se para a próxima cidade e tentar uma melhor sorte; ou até, eventualmente, largar o hábito de comer pães e trocar por algum outro carboidrato.
Usando este mesmo exemplo como referência, se uma nova padaria abre na pequena cidade, aquela que ‘jogava solitária’ sofrerá concorrência, segundo os seguintes aspectos (normalmente nesta ordem):
Comodidade – a distância ou facilidade para um determinado cliente chegar até o novo local;
Qualidade geral – se o local tiver uma melhor percepção de cuidado, organização e qualidade, isso, tipicamente, passa a impressão de que a empresa (no caso a nova padaria) se preocupa mais com os clientes do que sua concorrente;
Preço – O cliente irá comparar com a solução existente e aceitará, ou não, pagar mais caro, de acordo com os outros fatores desta rápida lista;
Serviço – Qualidade e tempo de atendimento, simpatia, presteza, facilidade de pagamento.
Embora todos estes aspectos sejam tangíveis de alguma forma, é difícil, a partir somente de números, compreender por que um determinado estabelecimento vende mais do que outro, ou tem clientes mais fiéis. Para um cliente de primeira compra, a lista de prioridades para tomada de decisão tende a seguir mais ou menos esta ordem e, ao longo do tempo, se modifica, de acordo com a relação que a pessoa estabelece com a empresa e vice-versa. Esta lista irá, naturalmente, variar de cliente para cliente, mas de forma geral, estes costumam ser os valores mais relevantes na decisão de compra.  Apenas para citar outros fatores que pesam cada vez mais nesta decisão estão: atenção a responsabilidade social da empresa (incluindo a sustentabilidade de forma mais ampla), qualidade das relações com seus stackholders, percepção de marca, entre outros menos tangíveis.
O exemplo da padaria é restrito, mas difere pouco de um olhar clínico nas relações entre empresa e cliente de forma geral.  Então, onde reside, de fato, a diferença na relação entre a empresa e seus clientes?  Se usarmos as métricas tradicionais, iremos medir infinitamente os pequenos e grandes fatores que diferem as relações. (Um vídeo que vi de Simon Sinek  – do Golden Circle – com o título você ama sua esposa? traz com riqueza de detalhes os pequenos atos, aparentemente imperceptíveis, que fazem uma relevante diferença nos relacionamentos).
Entretanto, acredito que ainda não é isso (somente os pequenos detalhes). Percebo que são as decisões internas que realmente modificam o mundo. Aquelas que fazemos como um compromisso pessoal ou com o Universo.  Se você, por exemplo, se comprometeu a acordar todos os dias cedo para malhar e numa manhã de segunda-feira decide que só hoje não – é provável que ninguém irá te cobrar, além de você mesmo, é claro. Talvez no momento em que esta decisão se torne um (mau) hábito, você comece a notar que algumas manhãs fazem a diferença. E somente depois de alguns meses é que as pessoas próximas irão notar que você deixou o esporte de lado. Veja quanto tempo até que uma pequena decisão interna se torne um fato externo.
Da mesma forma, a decisão interna de acordar cedo todos os dias (faça chuva ou faça sol) também irá demorar alguns meses, ou eventualmente alguns anos, até que alguém de fora lhe diga que há algo diferente em você que não havia antes. A conclusão é que esta pequena decisão e os períodos curtos (que parecem nunca terminar para quem os prática) farão diferença ao longo do tempo.
Na minha experiência no relacionamento entre empresas e clientes, esta primeira decisão carrega alguns fatores que podem servir de base para o seu negócio:
1. A decisão sincera de querer oferecer algo positivo para seus clientes – seja um bom produto, serviço ou mesmo o atendimento – chamo de servir desinteressado;
2. Escolher ter um bom relacionamento com seus clientes. Este é aquele tipo de definição que aceita acertos e erros. É como uma relação humana de longo prazo. Se você espera que ela dure, sabe de antemão que haverá altos e baixos, erros e acertos;
3. Ser correto. Boa parte da crise existencial dos países do mundo (e isso inclui claramente o Brasil neste momento) não é exatamente por uma forma ilegal de agir – em alguns casos isso até acontece. Mas muito mais do que isso é uma forma imoral de se agir. Cada um de nós sabe quando está sendo correto ou não. O desafio é saber que o mal está dentro e não fora. Inconscientemente mentimos, em primeiro lugar, para nós mesmos, para justificar o porquê de se fazer algo ou não. O restante é uma consequência quase sem fim, até que a expressão, a compreensão e a aceitação do erro nos cheguem – note o quanto é longo o ‘caminho de volta’ para reajustar;
4. Fazer o que gosta. Acho que não há coisa pior no mundo do que ser atendido por alguém que não gostaria de estar ali na sua frente. Parece que o cliente é o pecador no confessionário. Já li e ouvi muito sobre a qualidade do atendimento da Disney, mas pouco se comenta sobre o desafio que é entrar na empresa. Mais de 50% das pessoas desistem na primeira conversa de contratação. A motivação externa é possível, mas tem seus limites. Ter certeza de que as pessoas certas estão no local certo é crítico para o sucesso de qualquer negócio.
Sobre a qualidade do servir, existe um truque que ajuda a compreender melhor as coisas. É aprofundar na autoanálise e buscar respostas a perguntas como: Por que o negócio está aberto? Por que se faz as coisas do jeito que se faz? Isso pode trazer respostas mais próximas como: descobrimos isso a partir da leitura de nossa própria história, de nossos erros e acertos; ou foi uma decisão dos(as) fundadores(as) da empresa. Fatores, em última instância, não exatamente tangíveis. Em todos os casos, este intangível nasce dentro e não fora. Primeiro, como uma decisão sincera e depois como pequenas (em sua maioria) e grandes ações (o que ocorre raramente).
Leonardo Barci é CEO da youDb.

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