Maria Cristina Mastoprieto
“Lógica da indústria” (focada nas características dos produtos) e a “lógica do varejo” (focada em obter as melhores negociações) precisam dar lugar à lógica do consumidor como referência para o planejamento, desenvolvimento e execução das atividades de marketing e vendas.
Com a melhor das intenções, a de proporcionar ampla opção de escolha aos seus clientes, varejistas e fabricantes transformaram a experiência de compra, antes um ato simples e agradável, em uma atividade extremamente complexa e frustrante. Afinal, está cada vez mais difícil para o consumidor se orientar diante de tantos lançamentos que invadem as prateleiras das lojas todo o dia.
Estudo realizado em supermercados de sete grandes regiões metropolitanas brasileiras constatou a existência de 13.417 itens que não existiam no ano anterior. Ou seja, durante esse breve período, as lojas de auto-serviço foram inundadas com uma média de 1.118 lançamentos por mês, ou 37 ao dia. Se essa quantidade de novos produtos confunde os mais experientes profissionais do varejo na hora de organizá-los junto a outro itens de linha, imagine o que faz na cabeça do consumidor.
Comprar uma garrafa de vinho para um jantar com amigos, por exemplo, se transformou em um exercício de erudição, pois temos de escolher o mais apropriado entre 4 mil tipos diferentes. Para as mulheres, tingir o cabelo também virou um suplício porque, além da cor propriamente dita, ela tem de optar por 3,4 mil variantes envolvendo marcas, tipos de produtos (coloração ou tonalizante) e preços. Até mesmo escolher o biscoito preferido ficou complicado: são 3 mil opções que variam entre tipos (waffer, maisena, recheado), sabores (tortilha, coco, chocolate, morango, milho verde), marcas e tamanho das embalagens.
Para complicar ainda mais a vida do consumidor, some-se a tudo isso a quantidade de categorias em que esses produtos encontram-se divididos (quase 160) para se ter uma noção da complexidade em que se tornou o processo de compra. Não é à toa, portanto, que ele se sinta cada vez mais perdido ao entrar em um supermercado. É como se ele participasse daquele velho jogo infantil “Onde está Wally?”. Até para adquirir uma simples lâmpada ou caixa de fósforos ele tem de percorrer diversos corredores antes de localizar a seção e a categoria correspondentes. E, depois, fazer a escolha diante de uma enormidade de opções.
Para se defender diante de toda essa multiplicidade, o consumidor acaba por “afunilar” a sua percepção. Confuso entre tantos novos produtos com sabores, tamanhos, marcas, formatos e benefícios, acaba comprando o mesmo de sempre. Nem é preciso dizer o quanto o varejo e a indústria perdem com essa decisão.
O cenário, que tende a se agravar ainda mais com a aceleração do ritmo em que produtos são lançados e retirados do mercado, não terá solução enquanto as empresas não se adaptarem à “lógica do consumidor”. Ou seja, o processo de raciocínio que orienta o comportamento de compras dos seus clientes.
E como funciona essa lógica? Nossos estudos têm demonstrado que as pessoas, na hora da compra, costumam associar os produtos segundo critérios definidos que variam de acordo com a categoria. Se a consumidora pensa em “cuidados com os cabelos”, vai procurar os itens relacionados por ela a essa atividade, o que envolve desde xampus, condicionadores, grampos, colorações e toucas plásticas até produtos aparentemente inusitados como papel alumínio. Esses “cenários mentais” servem como orientação para determinar a sua escolha.
Para os fabricantes, saber como funciona esse processo permitirá aprimorar e desenvolver produtos sintonizados com as reais necessidades das pessoas, aumentando a possibilidade de sucesso. Para o varejo, serve como referência para orientar os clientes sobre o diferencial dos produtos, assim como desenvolver categorias, soluções, ações promocionais e de merchandising.
Em resumo, fabricantes e varejistas poderão descobrir formas mais eficientes para organizar e expor os produtos, criar novas seções, aperfeiçoar o layout e até mudar o ambiente da loja, tudo de acordo com as expectativas dos clientes.
O primeiro passo para se chegar a esse estágio de conhecimento é reavaliar conceitos. A “lógica da indústria” e a “lógica do varejo” precisam dar lugar à lógica do consumidor. Caso contrário, até mesmo metodologias consagradas como o gerenciamento por categorias dificilmente alcançarão os resultados esperados. E o velho problema do “ruído nas gôndolas” voltará.
O segundo passo é comprar calçados bem confortáveis. Afinal, para compreender o seu comportamento, é preciso estar no habitat do consumidor: a loja. Isso quer e requer gastar muita sola de sapato (de preferência de borracha) percorrendo corredores, avaliando a exposição nas gôndolas e o fluxo das pessoas nas seções diariamente.
Maria Cristina Mastoprieto, cientista social formada pela PUC/SP com mestrado em psicologia pela universidade de Stanford (EUA), é diretora da Sense Envirosell Pesquisa & Informação.