Ainda inseguro como funcionaria a dinâmica do varejo online, o consumidor, no começo, apenas adquiria itens que não fossem tão importantes e nem que prejudicariam seu orçamento. Por exemplo, livros. Com o passar do tempo e com empresas mais estruturadas, ele foi ganhando mais confiança e não só compra mais produtos, como já sabe quais negócios desejar se relacionar, pesquisa por melhores condições de preço e entrega e entende quais empresas pode confiar. Em troca, as lojas procuram oferecer a melhor experiência a eles e assim fidelizá-los. “Em 2015, serão quatro milhões de brasileiros que farão a primeira compra pela Internet. É um número considerável de pessoas que traz oxigênio e crescimento ao setor”, comenta Mauricio Salvador, presidente da ABComm, Associação Brasileira de Comércio Eletrônico. Em entrevista exclusiva à ClienteSA ele analisa sobre como está o e-commerce brasileiro e seus clientes hoje.
ClienteSA: O setor de e-commerce passa por uma fase de crescimento? Se sim, o que tem favorecido?
Salvador: O setor tem crescido na casa de dois dígitos mesmo em cenários econômicos desfavoráveis. Tem sido assim no Brasil e em outros países também. Nos Estados Unidos, por exemplo, no último trimestre de 2008, no pior momento da pior crise econômica desde 1929, o e-commerce cresceu 6%. O favorecimento se dá principalmente devido a dois fatores: a percepção do consumidor de que comprar pela Internet é mais barato e as ações de marketing digital que são mais segmentadas e efetivas que as tradicionais. O Brasil tem ainda o terceiro fator que é o alto número de novos consumidores. Em 2015, serão quatro milhões de brasileiros que farão a primeira compra pela Internet. É um número considerável de pessoas que traz oxigênio e crescimento ao setor.
Quais as principais transformações pelas quais o setor passou nos últimos anos?
Nos últimos anos houve um amadurecimento do e-consumidor brasileiro. Ele está mais atento às questões de segurança e confiança. Já desconfia de preços muito fora da média de mercado, procura saber se as lojas e os produtos têm muitas reclamações, analisa cuidadosamente as descrições e informações do produto, compara preços e fretes. Esse amadurecimento fez com que o e-consumidor brasileiro se sentisse seguro para comprar produtos pela Internet, cuja decisão de compra é mais complexa do que um simples livro. Roupas, perfumes, cosméticos, eletrodomésticos, são alguns exemplos. Lembro-me muito bem de ter ouvido diversas vezes as pessoas dizerem que “ninguém nunca vai comprar roupas e perfumes pela Internet, é preciso experimentar, vestir, sentir o cheiro…”. Ironicamente, atualmente essas são as duas categorias mais vendidas no e-commerce no País.
Em que estágio as empresas estão na gestão de clientes?
No Brasil, as grandes empresas de e-commerce já têm investido em tecnologias para melhorar seu CRM e personalizar suas ações de marketing digital. Mas ainda estamos muito longe de empresas como a Amazon. Que trabalha o Big Data e consegue personalizar vitrines, e-mails, produtos e criar uma experiência de compra incrível para seus clientes. Por outro lado, a tecnologia ainda é uma realidade distante dos micro e pequenos empreendedores do setor. Mas isso é uma questão de tempo.
Quais são os grandes desafios desse setor em gestão de clientes e como enfrentá-los?
Coletar, processar e transformar os dados dos clientes em ações de marketing e vendas é uma questão que ainda desperta muitas discussões no campo da privacidade. Na Internet, é possível coletar e guardar milhares de informações pessoais dos clientes. Redes sociais, cookies, histórico de navegação, cargo, onde trabalha, onde mora, em que restaurante costuma comer, qual caminho faz para ir ao trabalho, sites preferidos, assuntos de e-mails, links mais clicados, posts mais visualizados, há milhões de dados soltos por aí. Dessa forma, eu diria que a privacidade de dados ainda é o grande desafio. É preciso discutir claramente esse tema no âmbito das políticas públicas para que não surjam leis que prejudiquem a evolução do mercado digital. Nesse sentido o Brasil está muito atrás.
O que o senhor aponta como novas tendências para o mercado de relacionamento com clientes no e-commerce?
Sem dúvida, o presente e o futuro é o mobile! Os aplicativos de smartphones estão revolucionando a forma de se relacionar e resolver problemas. Acredito que uma das tendências seja justamente essa: criar aplicativos que tragam soluções através do e-commerce. Acabou o leite? Vai ter um casamento no final de semana? É aniversário da sua sogra? Não se preocupe, o e-commerce resolve pra você! Acho que um pouco do futuro do e-commerce está nesse conceito.
O setor tem se preparado para atender o novo perfil de cliente, mais exigente e com mais informações nas mãos?
As lojas virtuais estão mais atentas. Estão monitorando o que o consumidor fala sobre ela e seus produtos, através das redes sociais. Se surge alguns problemas tentam resolver rapidamente para não deixar que arranhe sua imagem. Por outro lado, as lojas físicas ainda deixam a desejar. Uma pesquisa da ABComm sobre o omniconsumidor mostrou que os vendedores de lojas físicas não estão treinados para ver um consumidor comparar preços pelo celular. Segundo o estudo, alguns chegaram a ser agressivos.
Em que pontos o setor está mais avançado em gestão de clientes? E em quais está mais atrasado?
As estratégias de marketing digital para relacionamento com os clientes têm avançado bem. As tecnologias estão mais acessíveis. É possível fazer uma ação de marketing com um cliente que está passando na frente da sua loja, por exemplo. Consegue-se enviar um cartão de aniversário com um vale-desconto para ele comprar um produto que andou espiando nas ultimas semanas. As ações de marketing digital segmentadas trazem taxas de conversão altíssimas, entre 20 e 50%. Dá trabalho pra fazer, claro, mas nesse sentido temos evoluído bastante em processos e tecnologias. Por outro lado, ainda estamos atrasados em políticas públicas que ao mesmo tempo em que protejam a privacidade dos consumidores, não impeçam a evolução desse mercado.