Autor: Marcos Morita
O caso das operadoras Tim, Claro e Oi, proibidas de comercializar seus chips em diversos estados a partir do dia 23 de julho, demonstra o total desrespeito ao principal pilar em toda e qualquer relação entre empresa e consumidor, baseado na satisfação deste. A ganância em aumentar as vendas, conseguindo um ponto adicional de market share a qualquer custo, levou a uma agressiva guerra de preços, cuja consequência foi o quase colapso do sistema, sentido principalmente nas grandes capitais, onde completar uma simples ligação nos remeteu aos primórdios da tecnologia celular.
As estratégias, baseadas no uso intensivo de suas redes, cobrando nada ou muito pouco para usuários da mesma operadora, criou uma verdadeira bomba-relógio. O que a princípio era uma ação de vendas isolada da Tim com seu plano Infinity, acabou se tornando o principal fator competitivo entre as empresas. Promoções do tipo fale 1 minuto e ganhe 10, 20, 100, 1.000 ou 10.000 minutos, acabaram derrubando os níveis de serviço percebido de seus usuários, os quais, diga-se de passagem, nunca foram lá muito altos.
Talvez um dos maiores erros tenha sido comprometer grande parte de sua oferta limitada de serviços, as frequências, justamente com o segmento de clientes menos rentável e fiel, composto pelos usuários da modalidade pré-paga, responsáveis por 80% do mercado. Ávidos por promoções, não titubeiam em trocar de operadora ou possuir diversos chips em um ou mais aparelhos, convencendo amigos e familiares a aderir. Tal comportamento talvez explique a razão pela qual há hoje mais linhas ativas que habitantes, na relação de 1,34.
Quem utiliza transporte público já deve ter notado a mudança no perfil de seus usuários, emendando longas conversas no trajeto do trabalho para casa e vice-versa. Comprovando a percepção, o tempo médio mensal gasto ao celular aumentou em 33,7%, traduzindo-se em algo como 115 minutos mensais por assinante. Adicione o crescimento de 40% no número de linhas e o aumento dos smartphones, os quais consomem um tráfego maior de dados. Pronto. Temos os ingredientes necessários para o caos. Celulares sem sinal, má qualidade de áudio, queda de ligações, chamadas não completadas, redes de dados extremamente lentas.
Em outros tipos de serviços a saída estaria em estratégias para controlar a demanda, seja através da fixação de preços por período, tais como os serviços de telefonia fixa com tarifas diferenciadas por horário e distância ou na limitação da oferta de serviço, como já ocorre com os pacotes de dados das próprias operadoras.
No atual modelo de negócios, restam poucas opções as empresas. No curto prazo será pouco provável melhorarem sensivelmente o serviço oferecido, não só pelos altos investimentos em infraestrutura necessários, assim como pela legislação atual de algumas cidades que dificultam a instalação de antenas, necessárias para a melhoria na cobertura. Apesar da proibição, que acredito ser temporária, os arranhões e desgastes em suas imagens poderão ser duradouros, correndo o risco de perderem sua base de clientes mais rentável, composta pelos assinantes corporativos e pós-pagos, os quais necessitam de serviços de alta qualidade, confiabilidade e disponibilidade.
Para preservarem este filão que gerará cada vez mais tráfego em seus smartphones, necessitarão de maior capacidade em sua rede. Como não há maneira de disponibilizá-la ou segmentá-la por tipo de usuário, talvez precisem reduzir ou impor limites aos atuais planos pré-pagos, os quais compõem a grande base de assinantes. Implantá-la significaria uma perda imediata de diversos pontos de participação de mercado, além de serem decisões impopulares e indigestas, necessitando de uma mudança cultural nos hábitos destes usuários.
Independentemente das ações adotadas pelas empresas, seja para preservar sua base de clientes ou manter seu filão mais rentável, o fato é que a decisão da Anatel serviu para pontuar algo que já vinha sendo anunciado, ou seja, da falta de capacidade das operadoras em cumprirem suas metas de qualidade. Espero que este marco sirva para que outras agências tomem decisões semelhantes, protegendo os consumidores de serviços ruins. Quem sabe não seria hora de alguns Detrans proibirem a venda de carros em algumas cidades, nas quais circular já está tão ou mais difícil quanto falar ao celular?