Com a crescente digitalização dos negócios financeiros, a própria noção do dinheiro no imaginário público passa por uma mudança radical. Ela dá lugar à idéia de um valor abstrato on line, que trafega de um ponto a outro do planeta, a partir de acionamentos por teclado, tarjas eletrônicas, cliques de mouse e até comando de voz.
De fato, a revolução eletrônica dos bancos é fenômeno já incorporado e cantado em verso e prosa pelas mídias de TI e negócios. Mas será mesmo verdade que a tecnologia hoje utilizada pelos bancos está assim tão próxima do estado da arte?
Sem querer esgotar a questão, podemos adiantar que, no tocante ao uso de data mining, os bancos estão, por enquanto, em um momento de arrancada. Não quer dizer que estejam em situação de atraso. Por sua vocação de cautela e por sua forte inclinação para a linguagem de negócio (e não de tecnologia), os bancos vêm há muito tempo lançando mão de estatísticas e análises de dados que poderiam ser classificados como algo próximo de data mining. Mas não é a maior parte das instituições que se declaram usuárias deste sistema, embora venham a ser os maiores investidores em TI na comparação com qualquer outro segmento. Seja como for, agora começa visivelmente a aumentar o universo de bancos que fazem uso efetivo de técnicas de inteligência de negócios como redes neurais e árvores de decisão aliados a estatística.
Não deixa de ser curioso: como poucos segmentos de negócio da moderna sociedade, os bancos têm no perfil digital o seu modelo de negócios por excelência. Suas gigantescas bases de dados constituem, virtualmente, um tesouro de informações quase tão pujante e atraente quanto os infinitos bits e bytes que compõem suas transações de negócios. Mas, ao contrário do que acontece, por exemplo, entre as grandes empresas de telecomunicações – em que as aplicações de data mining avançam e se sofisticam num ritmo quase frenético – nos bancos tudo ocorre mais lento . Na maior parte dos casos, o data mining em ambiente financeiro chega até a ser bastante usado, mas não recebe este nome. Um exemplo são as aplicação de análise de crédito, risco e detecção de fraude, nas quais quase sempre se fala em “estatística”.
Chame-se como chamar, não se trata de aplicação menor. Ao estabelecer relações inusitadas entre dados aparentemente isolados, a análise de risco vem conseguindo maximizar em níveis antes impensáveis a taxa de sucesso neste tipo de operações. Ao mesmo tempo em que permitem a criação de uma escala “industrial” na concessão de crédito. Tudo isto representa nada menos que a multiplicação do dinheiro, a partir da manipulação inteligente de dados. E, para o homem do setor financeiro, não vem ao caso que se chame “estatística”, “data mining” ou simplesmente “cruzamento de dados”.
O curioso é notar que em aplicações mais relacionadas à atividade de marketing assume-se mais freqüentemente como “tecnologia de data mining”. E estas são aplicações cada vez mais comuns, principalmente para a segmentação de bases de dados com vistas à oferta de produtos ou políticas de fidelização. Para quem observa de perto o mercado de data mining, já não haverá surpresa se, em dois anos, uma parte expressiva dos bancos já estiver partindo para aplicações hoje ainda restritas às instituições mais agressivas. Entre estas, uma aplicação que cresce a cada dia é justamente a de prevenção de fuga de clientes. Este é um modelo de aplicação já bastante conhecido no turbulento ambiente de marketing das operadoras de telefonia (especialmente celular) na qual a manutenção do assinante cativo e a atração de clientes da concorrência é uma das bases da competição.
Com os bancos isto sempre foi diferente, mas agora começa a mudar. Acostumado àqueles tempos em que a tradição de parceria e a longa relação de confiança entre o cliente e o banco (ou até entre o cliente e o gerente de sua agência) compunham a garantia de um casamento tranqüilo e estável, só agora o setor de marketing dos bancos começa a ficar mais agressivo no tocante à infidelidade dos clientes.
De fato, com a quase abolição do contato direto entre o banco e o cliente, e sua substituição pela Internet, call center e máquinas de auto-serviço, está aberto o espaço para o “turn over” agitado do cliente no ambiente bancário. Por isto, os estrategistas do setor começam a lançar mão do data mining para definir as condições de permanência, atração ou perda de seus correntistas.
E, para a imensa sorte destes estrategistas, os modelos de análise de “churn” utilizados pela indústria de telecomunicações já estão sobejamente testados e existem aos borbotões, necessitando apenas ser transpostos para o novo ambiente de negócios. Outra aplicação já corrente, mas ainda em círculos tidos por muito avançados no setor de bancos é o de vendas cruzadas. Curiosamente, em outros segmentos, esta é a típica e clássica aplicação do data mining. No caso dos produtos financeiros, este tipo de exploração está sendo considerado um possível divisor de águas nas estratégias de vendas. Através dele, se torna possível, por exemplo, a oferta personalizada de aplicações e produtos financeiros – no modelo de marketing one-to-one – com alto nível de sucesso, devido à consistência das bases de dados disponibilizadas (e constantemente alimentadas) pelas operações eletrônicas dos correntistas.
Restam, porém, algumas barreiras técnicas e filosóficas, cuja resistência vai se demonstrando em ponto de exaurir, na medida em que os golpes mais agressivos de algumas instituições comecem a suscitar o contragolpe, ou a servir de exemplo para outras. Entre estas barreiras estão as desconexões entre as inúmeras bases de dados, na linha de retaguarda de uma mesma instituição – situação típica dos bancos. Mas hoje as tecnologias de limpeza e integração de dados conseguem dar conta desta desconexão sem tumultuar a vida do usuário.
Finalmente, do ponto de vista cultural, há ainda a tradicional postura conservadora dos bancos, na qual o arsenal tecnológico está planificado para “rodar o negócio” ou seja, as atividades financeiras que compõem o seu rol de atividades meio e fim. Aproximar este arsenal tecnológico com o de uma nova e ousada visão – voltada ao conhecimento do cliente e a seus potenciais de novas interações de negócios com o banco – é este o desafio que começa a ser encarado pelos homens de tecnologia e os homens de marketing dos bancos. E a tecnologia de data marketing, sem dúvida, é uma das respostas mais cabais para este próximo desafio.
Ricardo Ventura é presidente da SPSS (email: [email protected])