Autor: Ernesto Haberkorn
A discussão em torno do ensino brasileiro segue caminhos que nem sempre consideram a verdadeira essência do problema. Baixo salário de professores, más condições das salas de aula, alunos com formação básica deficiente e poucos investimentos. Estas são algumas desculpas que dominam o debate. Claro que são fatos importantes e que devem ser remediados, mas serão resolvidos com o tempo, por meio do próprio desenvolvimento econômico do País. Qual seria, então, o ponto nevrálgico para essa questão? O que poderia ser feito para, realmente, dar uma guinada na formação intelectual do povo brasileiro?
Se perguntarmos para 10 alunos do ensino fundamental ou médio, nove dirão que não gostam de ir à escola. Sentem-se desmotivados. Acham “chato” estudar. E mesmo nós, adultos, não temos mais paciência em auxiliá-los em suas tarefas diárias. Achamos “fora da realidade” a grande maioria das questões que nos colocam. Mas, por que isso acontece? Porque, na verdade, o grande problema está na grade curricular!
A grade curricular prende-se apenas aos temas que deixam de ensinar o que, de fato, será útil e interessante para a vida profissional e social dos jovens brasileiros.
A grade curricular prende-se apenas aos temas que deixam de ensinar o que, de fato, será útil e interessante para a vida profissional e social dos jovens brasileiros.
Atualmente a grade é constituída das seguintes disciplinas: português, matemática, história, geografia, ciências, inglês, educação artística e educação física. Agora estão introduzindo sociologia e filosofia, vamos ver. Na Europa, Estados Unidos e Ásia, por exemplo, a formação escolar é voltada principalmente para o trabalho e para as necessidades diárias de cada cidadão. Este sistema faz parte de um quadro institucional nos quais as organizações empresariais trabalham ao lado do governo, colaborando com a regulamentação do ensino e a preparação do material didático.
Para chegarmos a este estágio, precisaríamos começar com uma revisão do conteúdo de cada disciplina. As aulas de História, por exemplo, são centradas em fatos da antiguidade e que nada tem a ver com os dias atuais. Esta disciplina deveria focar, principalmente, nos problemas políticos e econômicos atuais, relacionados com um ou outro fato histórico. A essência seria entender como o mundo está hoje: as economias e regimes do primeiro mundo, a situação dos países emergentes, as guerras em andamento. O material didático desta disciplina seria o jornal, a televisão, além, é claro, de livros que tratam do assunto.
A matemática seria a segunda disciplina a sofrer profundas alterações. Nada de equações complexas, polinomiais, trigonometria, teoremas que não levam a nada. Depois de estudar as operações básicas, um dos tópicos a atacar incluiria todas as funcionalidades das planilhas eletrônicas. Já imaginou termos uma população inteira especializada nesta poderosa ferramenta? É claro que a finalidade e uso de cada função ou macro seriam detalhadamente explicadas. Depois os jovens se especializariam em inteligência artificial, teoria dos grafos, simulações e também em Programação, a atividade intelectual que mais raciocínio lógico exige e, portanto, de grande valia para qualquer pessoa, mesmo que não venha exercer esta profissão no futuro.
A geografia seria menos aprofundada. Ou melhor, ao invés de estudarem todos os rios, montanhas, golfos, penínsulas e capitais de países que nunca visitarão, conheceriam mais o meio-ambiente, ecologia, sustentabilidade, enfim, temas prioritários nos dias de hoje. Quando criticamos os americanos por confundirem nossa capital com Buenos Aires, não sabemos que, ao invés desta informação, eles recebem outras, muito mais interessantes e úteis.
Ciências é hoje a disciplina mais importante e, nem por isso, recebe maior número de horas-aula. E o foco tem que ir além: como funciona o celular, o computador, a televisão, o motor de um automóvel, do avião, a comunicação sem fio, os vôos espaciais, as máquinas de uma forma geral, os robôs etc, etc.
A biologia, principalmente aquela que se relaciona ao ser humano, deveria se aprofundar naquilo que é hoje ensinado nos primeiros anos das faculdades de medicina.
O português, infelizmente, ele próprio, teria de passar por uma reforma mais agressiva. As regras de nosso idioma poderiam ser simplificadas. Acabar com a confusão do Z com o S, do SS com o Ç, do J com o G, do uso do H, entre outros. Sabemos que isso é difícil, mas é preciso ousar. Os textos a serem estudados, mais atuais e interessantes.
Inglês com mais ênfase. Esqueçam o espanhol, francês ou alemão. O inglês é o idioma universal e deve ser dominado por todos. Os demais podem, e devem, ser estudados posteriormente, através de cursos específicos.
Educação artística de acordo com o que eles vivem: oratória, canto, mecânica, marcenaria, cozinhar, costurar são ensinamentos práticos que podem inclusive servir numa necessidade de trabalho precoce.
Além de todas estas adaptações, as grades curriculares deveriam incluir as práticas, os conceitos, as tecnologias que são utilizadas e exigidas pelas empresas. Temos os chamados cursos profissionalizantes, com iniciativas muito tímidas, seja do governo paulista nas escolas estaduais, seja em entidades federais como Senai, Senac e Sebrae. No entanto, a verdade é que esses cursos são freqüentados, em sua maioria, por adultos desempregados que buscam neles uma oportunidade de emprego. Se os conteúdos destes cursos fossem adaptados e adequados para as escolas de ensino fundamental e médio, já teríamos um grande avanço.
Empreendedorismo seria outra matéria essencial. Para ser um empreendedor, não é necessário ser dono de um negócio. Ser empreendedor é saber ter boas idéias, planejar, organizar, errar, começar de novo, estudar, pesquisar, informar, procurar, ser pró-ativo e, realmente, fazer acontecer. Para ser um grande empreendedor, é necessário transgredir, inovar, apostar sem medo. O empreendedor acredita em si mesmo e torna, não somente a empresa onde trabalha, mas a economia como um todo, mais competitiva.
No sistema dual alemão, os alunos estudam dois dias por semana na escola e três nas empresas. Em modelos como estes, os jovens adquirem sólida formação prática, além de estimular características importantes, como responsabilidade, ética (aí inclui-se o Direito) e comprometimento. Ou seja: uma das grandes deficiências do nosso sistema de ensino é a falta de integração com o mercado de trabalho.
Se focássemos o nosso sistema educacional na formação de profissionais e empreendedores, certamente, o nosso futuro estaria garantido. E os pais e o País inteiro agradeceriam!
Ernesto Haberkorn é sócio fundador do Grupo Totvs e responsável pelo Projeto Totvs Dá Educação.