Os bancos tradicionais estão cada vez mais atentos a rapidez que mudanças nas leis acontecem, principalmente para se adequarem a um panorâma não preditivo resultado direto da atuação das fintechs ou pelo surgimento de novas tecnologias disruptivas como o blockchain. É o que aponta estudo da Cognizant. Antes soberanas em mercados como empréstimos, câmbio e transferências, as instituições financeiras atualmente já sentem a presença, cada vez maior, de novos players digitalmente nativos relevantes e bem posicionados aos diversos perfis de consumidores.
“Com novas leis que equilibram o mercado e com inovações tecnológicas que diminuem as barreiras e mudam a dinâmica da indústria financeira, os bancos precisarão se tornar cada vez mais resilientes e redefinir seus modelos operacionais e de negócios para um novo ambiente competitivo, acelerando a implantação de novas tecnologias”, afirma Alexis Machado, diretor da indústria de Bancos e Seguradoras da Cognizant no Brasil. Diante disso, o levantamento identifica quatro ameaças que causarão impacto profundo nos bancos: mudanças estruturais, perda de mercado, perda da intermediação e entrada dos unicórnios digitais (Google, Facebook e Amazon) no setor financeiro.
A primeira ameaça é causada por mudanças nas legislações ao redor do mundo. É possível citar, como exemplo, a implementação da PSD2 (diretiva dos serviços de pagamento), que acabará com o monopólio dos bancos sobre os dados dos respectivos clientes. Além disso, a diretiva pode expor serviços de atendimento ruins, estruturas tecnológicas ultrapassadas e falta de interlocução entre as diferentes áreas dos bancos. “O impacto do PSD2 nas tecnologias dos bancos, experiências de consumo, estruturas organizacionais e ambiente competitivo pode diminuir o controle que os bancos detêm sobre seus clientes”, analisa Michael Cook, senior manager da Cognizant e um dos coautores do estudo.
Já a perda de mercado pode ser ocasionada pela entrada de fintechs e bancos digitais em nichos antes controlados por instituições financeiras tradicionais, como transações e câmbio. De acordo com Michael Cook, isso pode criar problemas sérios na supply chain dos bancos porque eles perdem um ponto de contato com seus clientes. “Essa perda de interação com o usuário não só reflete negativamente na experiência do consumidor, como também prejudica a atuação dos bancos”, avalia.
Por sua vez, a perda de intermediação já é um cenário temido. Fintechs de empréstimo pessoal já são uma alternativa aos bancos tradicionais. Mas uma ameaça ainda maior é a adoção do blockchain, uma tecnologia que pode retirar dos bancos o poder da intermediação, não só no nicho de empréstimos pessoais, mas em várias áreas de atuação do setor bancário. “Tanto os bancos tradicionais quanto os digitais estão com dificuldade para implementar o blockchain em comparação com as fintechs. Por mais que a maioria das plataformas de blockchain não consiga suportar a escala de transações necessárias para derrubar a atuação dos bancos, o protocolo de Pagamento Ripple pode acabar fazendo esse papel”, teoriza o executivo.
A adoção do blockchain pode, por exemplo, retirar os bancos da mediação de pagamentos. Como o blockchain é seguro e mais barato para realizar pagamentos, a tecnologia elimina a necessidade de um banco como intermediário. “Além disso, o blockchain mantém informações de todas as transações de maneira transparente”, complementa Cook. “Testes preliminares indicam que o blockchain pode reduzir o tempo de transferências internacionais para apenas alguns segundos.”
No entanto, a maior ameaça para os bancos atualmente é a entrada dos unicórnios digitais – como são conhecidos Google, Facebook e Amazon – no mercado financeiro. De acordo com levantamento recente, metade dos clientes brasileiros consideraria trocar suas contas bancárias para os unicórnios digitais caso essas empresas oferecessem esse tipo de serviço. Os unicórnios superam os bancos tradicionais em quatro aspectos:
– dispõem de acesso a dados pessoais de usuários e podem oferecer serviços personalizados baseados nessa informação. Só o Facebook, por exemplo, tem alcance global de 2 bilhões de usuários;
– oferecem ótima experiência para o consumidor. A Amazon, por exemplo, consegue entregar seus produtos em até um dia;
– nasceram na era digital, o que lhes dá vantagem sobre os bancos tradicionais, que precisam trocar toda sua estrutura de TI para alcançar a transformação digital;
– já conquistaram a lealdade de seus usuários.
Os bancos resilientes
Mas, segundo Alexis Machado, nem tudo está perdido para os bancos tradicionais. Eles podem se adaptar para sobreviver a esse cenário. “As instituições financeiras que sobreviverão terão incorporado tecnologias para automação de dados no front office, com acompanhamento analítico em tempo real para dar suporte a serviços importantes no middle e back office, além de utilizar serviços em nuvem pública”, comenta o executivo.
Para se tornar o que o estudo chama de bancos resilientes, é necessário primeiro mudar a cultura organizacional da própria empresa. “Os objetivos estratégicos de sua organização precisam estar claros para todo o quadro de funcionários”, aconselha Cook. “Os departamentos precisam colaborar entre si, a inovação precisa ser o centro da cultura da empresa e o gerenciamento de desempenho deve ser baseado em resultados, não apenas em KPIs.”
Isso passa também pela adoção de APIs abertas e pelo estabelecimento de uma arquitetura colaborativa. Segundo Cook, os benefícios das APIs abertas vão além de compliance a leis regulatórias. Elas também podem auxiliar internamente na colaboração entre departamentos ao permitir que informações sejam compartilhadas com mais eficiência entre as equipes, melhorando a coordenação do sistema e o andamento de processos e transações.
Em termos de inovação, os bancos resilientes precisam estar à frente dos outros. Conforme o estudo identificou, uma das maiores forças das fintechs e dos bancos digitais é sua habilidade de agregar para seus clientes ao processar os dados deles em tempo real e ao corresponder às suas necessidades. Os bancos tradicionais ainda estão melhorando essa capacidade, mas aqueles que são resilientes superam os demais na adoção de inteligência artificial (IA), RPA e blockchain. A implementação de IA, por exemplo, é três vezes mais comum em bancos resilientes do que nos outros.
Ao adotar o uso de softwares abertos e novas tecnologias, as instituições financeiras poderão operar com fintechs e bancos digitais quase como um marketplace, em vez de funcionarem isoladamente. Com isso, as empresas podem compartilhar informações por meio de produtos e serviços white label e modelos de parceria. Embora as fintechs possam reduzir o lucro dos bancos em 13%, de acordo com levantamento feito pela consultoria McKinsey, uma possível parceria entre eles aumentaria os lucros bancários de vendas e produtos digitais em 10%, além de uma redução de 30% nos custos operacionais. Nesse aspecto, o estudo da Cognizant identificou que mais da metade dos bancos resilientes fizeram ao menos uma parceria com fintechs nos últimos três anos, e 70% utilizam serviços de outras empresas.
Apesar de ainda dominarem boa parte do mercado, os bancos tradicionais precisam transformar sua cultura, seus processos operacionais e sua infraestrutura tecnológica para se adaptar ao novo cenário econômico. Para isso, eles precisam focar seus modelos operacionais na satisfação dos clientes, mergulhar no modelo de marketplace, utilizar mudanças nas leis regulatórias como um catalisador para mudanças internas, criar uma cultura que priorize a inovação e dar a devida atenção ao blockchain. “Os líderes dos bancos tradicionais precisam aceitar o novo ecossistema de open banking, apostar na inovação, realizar parcerias e aquisições estratégicas e agilizar os processos internos. Isso vai ajudá-los a focar no cliente e a se transformar em bancos resilientes”, comenta Cook.
Alexis concorda: “As instituições financeiras que insistem em operar com barreiras astronômicas para novos clientes, estão ameaçadas e muitas já condenadas ao fim. E uma mudança drástica de mindset do setor atual é necessária para continuar relevante e sobreviver à disrupção”, finaliza o executivo.