Autor: Leonardo Barci
Vivemos em um momento de transição. Durante gerações, nossa economia tem sido baseada na escassez. É indiscutível que nosso ambiente é limitado, o que é muito diferente de escasso. Limitação significa que o uso das ferramentas e recursos disponíveis precisa ser compreendido e utilizado de forma que não falte. Por outro lado, escasso significa que nossas necessidades – sejam elas quais forem – não poderão ser atendidas.
Parece até um pensamento bobo, mas ele está intrinsecamente conectado com a nossa forma de agir e viver diariamente. Quando um pensamento é falso, ele precisa de sua contraparte para existir. Um exemplo simples é o de que somente as gerações futuras deverão se preocupar com formas alternativas de energia. Insistimos em acreditar que combustíveis fósseis são infinitos. É um contrassenso ovacionar a arrecadação bilionária do último leilão de extração de petróleo no Brasil em um ambiente que deveria, ao contrário, estar diminuindo sua dependência no ouro negro.
É a crença de que a água é escassa e de que não há o suficiente para todos. Esta falsa percepção se mostra como realidade quando praticamente metade da população atual não tem acesso à água potável e/ou saneamento básico. Acreditar no que é falso, cria uma falsa realidade. Parecem pensamentos até filosóficos, mas eles, insidiosamente, permeiam nossa vida diária e a de nossas empresas.
Quando a experiência é baseada na escassez, o dia de hoje precisa ser vivido um pouco menos do que poderia. Afinal, amanhã poderá faltar: tempo, disposição, dinheiro, e tudo mais de que eventualmente precisemos. Como equilíbrio natural a esta distorção, vivemos uma vida pobre de significado.
Com este raciocínio, começo a observar que também os relacionamentos entre empresas e clientes vêm seguindo o mesmo preceito. A máxima de que o cliente deve receber o melhor produto ao melhor custo possível não significa que ele deva pagar abaixo do que custa ou do que vale.
A ideia de comprar barato para vender caro, sinto a sinceridade, é distorcida. Um melhor raciocínio seria comprar e vender pelo preço justo. Mas com tanta corrupção rondando nosso país, fica difícil compreender o que significa, de fato, justiça.
Boas relações servem para sustentar a verdade e não maquiar a mentira. O marketing vem sendo instrumento de uma falsa comunicação e de uma subversão dos fatos. Em consequência, temos hoje relacionamentos frágeis entre empresas e clientes.
A única forma de reequilibrar estas relações é compreender o lugar de nossas empresas no mundo. É colocar luz de que elas existem para servir a sociedade e não o contrário. Em primeiro lugar, servem aos funcionários e suas famílias. Depois, aos clientes e assim, como consequência, à sociedade como um todo. Por último, como um bônus por toda esta contribuição, os sócios são reconhecidos com o lucro por seus esforços.
Sem esta perspectiva, vivemos a falsa ilusão de que empresas são instrumentos de enriquecimento próprio. Como um exemplo prático desta profunda conexão, o fundador John Mackey, da americana Wholesale Foods, conta sobre um momento onde sua loja sofreu uma severa intempérie da natureza. Absorto, viu seus clientes se aproximarem da situação para ajudar a reorganizar as coisas. Parece até algo vivido apenas em filmes de Hollywood, mas, quando uma empresa chega a este estágio de impacto social e compreensão de si mesma, os clientes são finalmente parte indissociável da marca.
Chegar a isso, significa que: a empresa, os funcionários, os clientes e a sociedade são uma coisa só. A escassez ficou para trás. Nunca faltará! Se a empresa não tiver funcionários suficientes para reerguer o negócio, os clientes farão, temporariamente, este papel até que as coisas se normalizem, como no caso da Wholesale.
Aceitar a limitação é parte da experiência humana. Diferente de escassez. Quando uma empresa acha que algo falta, ela claramente não está cumprindo seu papel social em todos os níveis que citei anteriormente. A verdadeira prosperidade vem da compreensão de que tudo o que é preciso para o nascimento, crescimento e existência da empresa chegará, indubitavelmente, no momento exato em que ela precise. Nem antes, nem depois.
O ponto de partida é compreender: ´Por que, como empresa, estamos aqui afinal´. O desafio: entender este “Por Que”, quando estamos imersos no dia-a-dia da sobrevivência empresarial. Assim como nos relacionamentos, é preciso uma pausa e/ou um afastamento para que esta perspectiva de contribuição social seja retomada.
Somente com a compreensão clara deste “Por que” é que a empresa se sente próspera e caminha com leveza e desprendimento das aparentes limitações. É o sentir-se próspero. É somente quando este momento chega que, independentemente dos desafios e limitações, a prosperidade é compartilhada com todos, principalmente com o cliente. E é, neste momento, que as relações servem como ponte para ligar empresa, funcionários e clientes de forma íntegra.
Leonardo Barci é CEO da youDb.