A redundância do cadastro positivo



Autor: Antoninho Marmo Trevisan

 

Poderá converter-se em grande frustração a expectativa de queda do spread bancário em decorrência da aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 405/07, referente ao cadastro positivo. Trata-se, como se sabe, de um banco de dados público sobre a adimplência no sistema de crédito para pessoas físicas e jurídicas. A medida seria uma resposta à alegação do sistema financeiro de que uma das razões do alto custo do dinheiro no País é o alto risco de calote no resgate dos empréstimos.

 

A tese seria fantástica, um verdadeiro ovo de Colombo, não fosse um embaraçoso detalhe: na prática, o tal cadastro positivo já existe há muito tempo no Brasil. Ou alguém é suficientemente ingênuo para acreditar que, ao solicitar crédito, numa loja ou banco, para quaisquer finalidades, falte algum dado de adimplência, inadimplência, renda, bens na ficha do requisitante e mais uma série de informações com o objetivo de confrontá-la? Ora, é preciso respeitar mais a inteligência e a memória do brasileiro. Há empresas da área de segurança no crédito que divulgaram há anos a “novidade” como diferencial de seu portfólio de serviços.

 

Nem por isso, o spread recuou no País. Ao contrário, segue como o mais elevado do mundo e onze vezes maior do que nos países desenvolvidos, revela relatório do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). Ademais, segundo o Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o aumento do spread bancário em meio à crise financeira mundial já custou R$ 8,2 bilhões aos brasileiros. Isto significa que o equivalente a nada menos do que 1,5% do total de investimentos em produção feitos no ano passado ou cerca de 0,5% do consumo das famílias foram pagos a mais no sistema creditício.

 

Esses números preocupam bastante, pois o spread bancário exagerado está na contramão do esforço feito pelo governo para restabelecer a normalidade do crédito, cujo resultado tem sido decisivo para o Brasil atenuar sua travessia pelo oceano revolto da crise. Aliás, é importante lembrar que uma das providências adotadas nesse sentido foi justamente flexibilizar os depósitos compulsórios no Banco Central, cujo percentual também sempre foi apontado como um dos fatores responsáveis pelo alto custo do dinheiro. Queda do patamar dos compulsórios, cadastro positivo já existente em termos práticos há muito tempo e várias leis, como a do patrimônio de afetação, foram aprovadas nos últimos dez anos para atender à demanda dos bancos.

 

O spread, entretanto, continua subindo, contrariando todas as medidas anteriormente adotadas. É uma espécie de sentença kaficaniana aplicada a pessoas sem culpa (físicas e jurídicas). Dentre esses “setenciados” inclui-se parte expressiva dos empreendedores do País, onde há cinco milhões de indivíduos entre 18 e 64 anos à frente de negócios. Seria imensa vantagem ante outras nações, não fosse o fato de mais da metade desses negócios fechar ao cabo de cinco anos. Somos os campeões mundiais na quebra de empresas novas, por uma simples razão matemática: o retorno histórico sobre o investimento varia entre 7 a 12%. Taxa de juros superior a este patamar inviabiliza o empreendimento e leva à falência. O patrimônio segue em paulatina agonia até o derradeiro suspiro. No Brasil, tomar empréstimo para capital de giro é a crônica da morte anunciada.

 

Como se vê, a discussão sobre o spread no País está fora de contexto, e solucionar o problema não será possível por meio de sofismas e/ou da promulgação de leis redundantes à realidade. A questão a ser debatida é clara: o sistema bancário é ou não parte sinérgica do processo de desenvolvimento nacional? E a pergunta precisa ser respondida com base num pressuposto pragmático: os setores produtivos, do meio rural, da indústria, do comércio e dos serviços, geradores de renda para a sociedade, não suportam taxas reais de juros que tornem o valor do pagamento da dívida maior do que a receita bruta de sua atividade. A conta não fecha. Assim, muito mais do que o propalado cadastro positivo, é preciso subordinar o custo do dinheiro àquele irrefutável parâmetro. O restante é mera retórica!

 

Antoninho Marmo Trevisan é presidente da Trevisan Escola Superior de Negócios e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

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