É preciso observar que ninguém evolui sozinho, pois, mesmo no judô, o progresso vem do apoio dos senseis (mestres) e dos colegas de treino
Autor: Alexandre Campos
Em um mundo corporativo cada vez mais imprevisível, onde a única constante é a mudança, as empresas enfrentam um desafio essencial: como experimentar com agilidade e aprender rapidamente? Parece simples no papel, mas, na prática, cultivar uma cultura de experimentação exige mais do que slogans bonitos. É preciso coragem para errar, disciplina para aprender e, acima de tudo, um ambiente que valorize o progresso, mesmo quando ele não se traduz em vitórias imediatas.
Mas como construir essa mentalidade? Curiosamente, a resposta pode estar em uma das artes marciais mais respeitadas do mundo: o judô. Mais do que um esporte, o judô é uma filosofia de vida, onde o aprendizado contínuo e a superação de desafios são centrais. E, assim como no judô, criar uma cultura de experimentação nas empresas é uma jornada de evolução — que começa na faixa branca e pode chegar à faixa preta.
Faixa branca: o começo da jornada
Todo judoca começa como faixa branca. Nesse estágio inicial, ele é inexperiente, inseguro e comete erros básicos. Mas é aqui que aprende os fundamentos: postura, equilíbrio e, talvez o mais importante, como cair sem se machucar. No mundo corporativo, essa fase equivale ao momento em que as empresas começam a falar sobre “inovação” e “testar ideias”. Muitas vezes, há entusiasmo, mas pouca clareza sobre como colocar isso em prática.
É nessa etapa que surge a necessidade de treinar a mentalidade certa: errar rápido, errar pequeno e, principalmente, aprender com os resultados. Assim como o judoca precisa dominar as quedas antes de tentar qualquer golpe avançado, as empresas precisam criar um ambiente seguro para falhar sem medo de represálias. Afinal, o erro é parte essencial do processo de aprendizado.
Faixas intermediárias: aprender fazendo
Conforme o judoca avança para faixas coloridas (como amarela, laranja ou verde), ele já domina os fundamentos e começa a aplicar técnicas com mais confiança. Ele ainda erra, claro, mas agora seus erros vêm acompanhados de aprendizados mais profundos. No ambiente corporativo, essa é a fase em que as equipes começam a rodar experimentos estruturados, baseados em hipóteses claras. Testes A/B, MVPs (Produto Mínimo Viável) e ciclos curtos de feedback tornam-se ferramentas essenciais.
Mas, atenção: ninguém evolui sozinho. No judô, o progresso vem do apoio dos senseis (mestres) e dos colegas de treino, divididos em três grupos: Dôhai (colegas no mesmo nível), Sempai (praticantes mais experientes) e Kohai (iniciantes). Nas empresas, esse suporte vem da liderança, que deve atuar como mentora, incentivando riscos calculados e reconhecendo o esforço — não apenas os resultados positivos.
Faixa marrom: maturidade técnica e estratégica
Chegar à faixa marrom é um marco no judô. O praticante já tem uma visão ampla do jogo, combina técnica com intuição e começa a ensinar os outros. No mundo corporativo, essa fase representa empresas que já dominam métodos de experimentação como Lean Startup, Design Thinking e Design Sprint. Aqui, a experimentação deixa de ser algo pontual e passa a ser parte integrante da estratégia de negócio.
Times nesse estágio sabem medir o impacto de suas iniciativas, ajustar rotas rapidamente e compartilhar boas práticas internamente. A cultura de experimentação começa a permear toda a organização, criando um ciclo virtuoso de aprendizado e inovação.
Faixa preta: maestria com humildade
Ao contrário do que muitos pensam, a faixa preta não marca o fim da jornada, mas o início de um novo ciclo. O judoca faixa preta sabe que sempre há o que melhorar e que o aprendizado nunca termina. Da mesma forma, empresas que atingem esse nível de maturidade em experimentação entendem que o verdadeiro diferencial competitivo está na capacidade de aprender continuamente.
Nesse estágio, decisões estratégicas são embasadas em evidências geradas por testes, e o “fracasso” é visto como uma oportunidade de aprendizado — não como motivo para punição. A experimentação deixa de ser uma ferramenta e se torna um princípio organizacional.
O Dojô Corporativo
No judô, o dojô é o espaço onde os praticantes treinam, aprendem e crescem juntos. Literalmente, significa “lugar do caminho”. No mundo corporativo, o dojô é o ambiente organizacional, que precisa ser cuidadosamente projetado para incentivar a colaboração, o respeito mútuo e o aprendizado constante.
Aqui, a liderança desempenha o papel dos senseis: guiar sem sufocar, desafiar com propósito e criar um espaço onde os times possam crescer sem medo. Os aprendizados individuais devem ser compartilhados, para que a evolução seja coletiva. Afinal, no judô, como na vida corporativa, ninguém chega longe sozinho.
A jornada continua
A jornada do judoca é solitária em sua dedicação, mas coletiva em seu progresso. Cada queda ensina algo novo, cada desafio superado fortalece o espírito. Isso vale para as empresas que buscam amadurecer sua cultura de experimentação. Não é um caminho fácil, mas é recompensador.
E, no final das contas, talvez o maior ensinamento do judô seja este: o verdadeiro progresso não está em nunca cair, mas em sempre se levantar mais forte, mais sábio e mais preparado para o próximo desafio.
Alexandre Campos é head de inovação e agilidade no Brain.