Paula D'Almeida, CMO e cofundadora do Grupo If

O brand experience pode redefinir o desejo no mercado de luxo

Essa estratégia surge como um pilar fundamental para o relacionamento e a construção de marca a longo prazo

Autora: Paula D’Almeida

O cenário econômico global, marcado por tensões como o recente “tarifaço” promovido por Donald Trump e as complexas guerras comerciais entre grandes potências, lança uma sombra de instabilidade sobre diversos setores. O mercado de luxo, em particular, sente o impacto direto: aumento de preços, barreiras comerciais e consumidores compreensivelmente mais receosos. A frieza dos números cambiais e das tarifas parece desafiar o glamour e a desejabilidade intrínsecos a essas marcas.

Pense que apenas os consumidores norte-americanos, no último ano, foram responsáveis por 24% do total de US$ 1,62 trilhão gasto globalmente em luxo, segundo a Bain & Co. Qualquer abalo nesse mercado, motivado por tensões econômicas, reverbera globalmente.

Mas, e se eu dissesse que, em meio a essa volatilidade, existe uma estratégia capaz de construir pontes onde barreiras se erguem? Uma abordagem que transcende o produto e aposta no poder da emoção e da relação humana?

Em momentos de incerteza, a lógica puramente transacional se fragiliza. A lealdade construída apenas sobre o acesso a um item pode vacilar diante de um aumento de preço, dificuldades de importação e até sua banalização. É preciso mais. E é aqui que as experiências de branding personalizadas e imersivas mostram seu imenso valor. 

Relações além da compra

Para além dos impostos e das barreiras, o brand experience oferece a oportunidade de criar laços que o câmbio não desfaz e que as tarifas não alcançam. Trata-se de aproximar os consumidores por meio de ativações únicas, que convidam à participação, à interação e, fundamentalmente, à criação de memórias afetivas. Ao invés de dependerem unicamente da força de seus produtos ou do apelo de vitrines globais, as empresas podem, e devem, investir em gerar vínculos diretos, que reforcem seus valores, seu propósito e sua identidade.

O retiro de luxo inaugurado pela Dior é um desses casos. A companhia decidiu ir além de fazer uma ativação e desenvolveu um espaço que apresenta sua identidade com sofisticação, cuidado com os detalhes, presença estética e inovação tecnológica. Isso é a essência da marca e contribui para um valor muito além da precificação.

A beleza dessa estratégia reside exatamente em sua capacidade de ressignificar o valor da empresa. Quando uma pessoa vivencia uma interação impactante, que dialoga com suas aspirações e emoções, a marca deixa de ser apenas um logotipo em um produto e se transforma em parte da sua história pessoal. Esse elo emocional é um ativo poderoso, capaz de manter o desejo e a relevância mesmo quando o acesso físico ao produto se torna mais complexo.

Vimos recentemente no Brasil, por exemplo, como companhias do universo do luxo têm explorado ações que vão além da simples exposição de joias. É o caso da Tiffany & Co, que criou o Blue Box Café, uma cafeteria inspirada no filme “Breakfast at Tiffany’s”. Isso mostra como a marca busca conceber um universo aspiracional, onde o público é convidado a imergir na narrativa da organização, a sentir sua essência. Não se trata apenas de ver, mas de sentir, de participar, de se conectar.

Quebrando obstáculos

Enquanto as tarifas tentam limitar a circulação de bens, ativações bem desenhadas e executadas com maestria têm o poder de dar um sentido maior às marcas. Elas nos lembram que o verdadeiro luxo pode residir não apenas na posse, mas na vivência. É uma mudança de paradigma: pensar menos em exportar produtos e mais em exportar sensações, narrativas e emoções.

O brand experience surge como um pilar estratégico fundamental para o relacionamento e a construção de marca a longo prazo. Em um mundo que muitas vezes nos parece excessivamente pragmático e volátil, apostar na emoção, na experiência compartilhada e na criação de laços genuínos é uma resposta profundamente humana e incrivelmente eficaz. E conexões assim são à prova de qualquer crise.

Paula D’Almeida é CMO e cofundadora do Grupo If.

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