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Como transformar o pesadelo em relacionamento e fidelização

Enio Klein
É inegável a comodidade que uma central de atendimento pode trazer aos clientes e o importante papel que representa no relacionamento com os mesmos. Também é inegável que agentes bem treinados e educados são peças essenciais ao melhor desempenho. A tecnologia tem igualmente o seu papel. O que muito pouca gente discute, no entanto, é a qualidade dos processos que estão por trás – ou deveriam estar – da operação da central. Principalmente se ela tem foco em atividades transacionais do negócio – qualquer negócio, desde energia elétrica até assinaturas de jornais ou revistas, passando por venda de ingressos para teatro.
Quando os processos são falhos, a importância e comodidade do canal aliadas à educação e bom treino dos agentes, podem levar o cliente a uma situação de estresse muito séria. É quando esta educação se torna ofensiva à inteligência e o relacionamento com o fornecedor vira um pesadelo. É um prejuízo que os gestores de centrais de atendimento – por vaidade, por orgulho ou por medo – escondem e não resolvem. Certamente não posso generalizar mas, três situações pelas quais passei nos últimos dois meses, demonstram que esta atitude é muito mais comum do que seria razoável esperar por quem realmente usa os serviços de centrais de atendimento – que eu acredito serem necessários e importantes. Pena que nem todos os gestores de centrais têm esta mesma crença.

Os fatos que compartilharei com vocês, internautas, demonstrarão com clareza o que quero dizer. Não usarei este artigo como denúncia – embora a tentação seja grande – mas como alerta sobre um assunto que precisa ser melhor trabalhado para que este canal não seja desacreditado de uma vez por todas, perdendo assim, todos nós os seus potenciais benefícios e, muita gente seus empregos. Não citarei nomes mas relatarei os fatos tais como ocorreram.

Desde maio deste ano, vivo uma experiência incrível – quase sobrenatural – com uma operadora de energia elétrica. Após vender uma pequena chácara no interior de São Paulo, liguei para a operadora, informando-a de meu desinteresse no fornecimento de energia elétrica e solicitando o corte para não mais receber a energia nem a conta. Em maio, recebi a conta. Liguei, refiz o procedimento e, para meu espanto, lá estava a conta, de novo, em junho. Liguei novamente e fui informado que, por algum motivo, eles não poderiam desligar a luz: só transferir. Tentei com o novo proprietário a transferência. Bem! De novo, em julho a conta teimava em vir. Tentei a ouvidoria da empresa. Recebi a resposta que, por algum motivo (mesmo sem saber qual), não podiam desligar a luz, não tinham como aceitarem a reclamação. Sem o protocolo da ouvidoria, a ANEEL não aceita a reclamação.

Um corporativismo abusivo para esconder uma falha terrível. Enfim: não há procedimento para desligar a energia a quem solicita o desligamento e, o resultado é a educação do agente quase dizendo que a culpa é minha. Decidi não ligar mais pois os batimentos cardíacos aumentam cada vez que ouço o “Senhor, sua solicitação não pode ser realizada. O que mais posso fazer pelo senhor?”. Antes de ter um problema de saúde, parei de pagar a luz, enviei um fax para o novo proprietário (que deve estar pagando a luz) – porque senão cortam – e assim se vai “empurrando com a barriga”. Até que aconteça algum fato novo…

O segundo ocorreu há algumas semanas. Há quase 10 anos sou assinante de um jornal de grande circulação. Se não me engano, só uma vez utilizei o cartão de crédito: a primeira. No último vencimento, em junho último, resolvi não renovar. Como é normal, o jornal continuou sendo entregue por algumas semanas até que recebi um telefonema da central de atendimento me informando que havia um problema com minha assinatura. Respondi que não considerava propriamente um problema o fato de eu não ter renovado a mesma por livre e espontânea vontade. Para minha surpresa, havia um problema. O educado agente me informou que ´alguém´, por um equívoco, havia renovado a minha assinatura, só que com cartão de crédito de um outro assinante. E mais: precisava informar um número de cartão de crédito imediatamente para resolver a situação. Bem, o primeiro ponto era saber se era realmente do jornal que estavam falando ou era uma armadilha.

Descobri que era do jornal. Dizem que sou intransigente, e para que os amigos não insistam em dizer que eu vivo criando caso com as centrais de atendimento, eu tentei transigir. Só que, além do cartão, precisava fazer um depósito identificado com duas parcelas para ressarcir o outro assinante, cujo cartão de crédito havia sido usado. Ainda assim transigi. Informei que faria o procedimento se me mandassem uma correspondência informando o ocorrido e os motivos pelos quais os procedimentos teriam que ser feitos, para documentar a ocorrência. Achei e ainda acho que era justo. Bem, depois de idas e vindas, umas 10 ligações para a central, cartas de cobrança, muito estresse e o envio de uma carta registrada, recebi uma ligação da supervisão da central de atendimento – até aquele dia nunca havia se envolvido – pedindo desculpas pelo ocorrido, que tudo o que eu pedia era justo, mas eles iriam fazer melhor: dispensavam-me do depósito bancário para cobrir as parcelas do cartão de crédito. De novo, um corporativismo absurdo.

Tentei reagir, disse que não queria favores mas simplesmente uma explicação do porquê deveria pagar e que eu faria o depósito. Não adiantava. Fui informado que o “cala-boca” era minha única alternativa. Também neste caso, jogaram a sujeira para debaixo do tapete e a falha do processo (e muito grave – vocês, com certeza concordarão) talvez nunca será corrigida. Mas quem saberá? Depois, gestores de call center dizem em palestras que muitos clientes reclamam só para obterem vantagens. Não sei se é bem assim.
O último caso, ocorreu há duas semanas. Gosto da conveniência de comprar por telefone, por isso, optei em adquirir ingressos para o teatro através da central de atendimento de uma empresa especializada no fornecimento destes serviços. Já havia feito isto algumas vezes e nunca ocorreu o menor problema. Sempre recebi os ingressos em casa em pouquíssimos dias. Não desta vez. Depois de um processo complicado que levou quase 20 minutos – que, por si só já poderia ser outra história -, fui informado que os bilhetes seriam entregues no mesmo endereço do cartão de crédito utilizado. Achei interessante. Mal sabia eu o que me esperava! Criaram um processo de entrega digno de um livro de horror. Pediram-me o endereço – já que não tinham acesso ao endereço do cartão de crédito – e solicitaram-me que, na hora da recepção tivesse a fatura do cartão para comprovar o endereço. O processo precisava, de alguma forma, conferir o endereço de entrega com o endereço do cartão de crédito, mesmo que fosse completamente fora de hora e sem sentido algum. Dois dias depois, o interfone de minha casa toca: os ingressos haviam chegado. Eu pessoalmente fui apanhá-los: levei meu cartão, meu RG, uma fatura do cartão. Surpresa. Como a fatura de meu cartão não tem o número do cartão, o motoboy quarterizado não poderia me entregar os bilhetes. Pasmem, mas é verdade! Não bastava eu estar pessoalmente recebendo o bilhete, apresentando os documentos pertinentes. Sem fatura com o número, nada feito.

Achei que era um engano e liguei para a central de atendimento. Atendeu-me um agente depois de 45 minutos de espera e me deu a notícia: sem número, sem ingressos e que eu poderia optar pela entrega no teatro. Considero o pior caso. Os agentes foram treinados para executarem processos que, além de completamente sem sentidos, ofendem o cliente ao insinuarem fraude, cobram por uma conveniência, entregam somente o estresse e não prestam o serviço, pois tive que apanhar o ingresso no teatro. E imaginem só o que usei para retirar o ingresso: o RG e o cartão – os mesmos documentos que não serviram para o motoboy pois, como dito pelo agente da central de atendimento: “Como o motoboy poderia comprovar que o cartão era realmente válido?”. O débito dele foi realmente válido. De resto, tudo é fraude.

O processo prevaleceu diante do bom senso e do cliente. Mais vale ofender a inteligência do cliente do que rever o processo. ´Um processo americano´, disse-me o agente. E está tudo gravado, para a minha segurança. Toda a sujeira em cima do tapete, ao alcance das mãos.

Todos estes casos ocorreram em prazo muito curto. Muito pela minha insistência em utilizar tais tipos de serviços. Muito por acreditar que eles podem ser bons. Mas infelizmente, os gestores parecem não compartilhar da minha crença e acreditam somente em seus processos – que não funcionam – e em esconderem as suas mazelas. Talvez, se menos prêmios fossem distribuídos e mais ações de real excelência fossem exigidas e realizadas, teríamos realmente centrais de atendimento que valham a pena. Não é geral, por certo, mas é muito mais freqüente do que se imagina. É só tentar utilizar os serviços de uma central para ver.

Enio Klein é diretor da K&G Sistemas e professor nos cursos de Marketing do MBA da FIA/FEA – USP.

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