A população atual, com mais de 60 anos no Brasil, é da ordem de 20 milhões. E até 2025 ultrapassará os 32 milhões de pessoas, isto é, 15% da população de 60 anos ou mais. Só na cidade de São Paulo somam mais de um milhão. Os dados são IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Soma-se ao impressionante crescimento dos idosos no Brasil, o fato de que 20% dos domicílios brasileiros estão sob a responsabilidade dos idosos, sendo que mais da metade da renda familiar vem do idoso.
Isso quer dizer que é o idoso quem liga para as operadoras de telefonia (fixa e móvel), bancos, cartões de crédito, TV por assinatura, seguros, planos de saúde e outras tantas empresas de produtos e serviços. Zelar pela dignidade dos idosos é importantíssimo para alcançarmos a finalidade social desejada, ou seja, um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Sabemos que as Constituições garantem a proteção do idoso, mas isso não garantiu até agora a eficiência diante do comportamento e atos da sociedade.
Poucas empresas acordaram para a necessidade de criar produtos e serviços para essa parcela expressiva da população. Já temos alguns objetos de consumo pessoal, como calçados e vestuário e o planejamento de automóveis com tecnologia para facilitar a direção de idosos. Na questão “Atendimento por Telefone”, apenas uma exceção; em algumas agências de turismo que atualmente tem produtos voltados para idosos; estão faturando alto com esse filão e desenvolveram um diálogo e procedimentos considerando suas peculiaridades.
As construtoras também viram a necessidade de planejar imóveis com áreas comuns de convivência, menos escadas, mais rampas, escadas submersas para facilitar o acesso às piscinas, fechaduras invertidas, pisos opacos e antiderrapantes, eliminação de cantos vivos, áreas de circulação e portas mais largas, entre outros detalhes. E a partir de 2010 uma construtora de renome lançara o primeiro empreendimento com essas características.
É pouco, muito pouco. Há uma miopia generalizada quanto ao poder de consumo dos idosos. E se prestarmos um pouco de atenção, quantos comerciais direcionados aos idosos estão sendo veiculados hoje? Aí tenho uma dúvida: não existem campanhas de marketing eficientes porque as empresas não se preocupam com esse público ou não existem produtos voltados especificamente para esse público e por isso não existem campanhas? Se não há nem a fome de vender, que diremos da necessidade de atender?
Uma coisa leva a outra: se as empresas não enxergam esse público, por que se preocupariam em preparar as centrais de atendimento para tanto? Definitivamente, as centrais não estão preparadas para atender esse imenso contingente de idosos.
Para complicar ainda mais, quem cria a fraseologia de URA, os scripts e sistemas de atendimento, bem como a explicação de procedimentos e contratos, ainda não consideram que mais da metade desses idosos sequer terminou o ensino fundamental (o antigo primário). Como se não bastasse a problema de entendimento do que se fala, existe ainda a dificuldade dos idosos em acessar a Internet para resolução de alguns problemas, já que muitos atendentes, por impaciência ou até por determinação da própria empresa, desviam o idoso para esse canal. Considerando que uma pessoa com 65 anos teve o primeiro contato com a Internet a partir dos 53 anos (1997) isso dificulta muito sua vida.
Além disso, há o total despreparo dos atendentes em lidar com consumidores idosos, submetendo-os a humilhação, maus tratos e desrespeito às características próprias de entendimento e vocabulário. Sabemos que, a despeito da idade, os consumidores têm direitos, desejos e necessidades e agora estão com tempo para realizarem seus sonhos, mas não dispõem do tempo dos atendentes, que correm atrás do TMA (Tempo Médio de Atendimento) exigido pelas empresas. Todos têm de ser atendidos com dignidade!
Dignidade não é caridade, solidariedade ou assistência. É respeitabilidade em grau absoluto. O tom pejorativo no tratamento aos idosos, como se fossem incapazes e não pessoas com características próprias, deve ser abandonado em detrimento do respeito e direito à cidadania.
O que me fez atentar para essa imensa falha foi uma necessidade familiar: o constante pedido de ajuda dos meus pais para resolver problemas por telefone, manusear equipamentos eletrônicos, lidar com a digitalização de serviços nos atendimentos bancários e até ligar e desligar o celular. Interessada no assunto fui pesquisar o que acontece fora do Brasil. Há uma imensa variedade de produtos voltados para idosos, resta saber se o atendimento nas centrais de atendimento é especializado nesse público.
A consultora Clare Kirkman descreve em seu livro “The Grey Pound Care Revolution”, a necessidade de todos aqueles que lidam com idosos (todo mundo lida com pelo menos um idoso na vida, nem que for ele mesmo) abrirem as cabeças para uma realidade que está batendo às portas de nossa sociedade. É claro que existem movimentos e ações tímidas aqui e ali, mas nada que possa fazer diferença ou tenha apoio estrutural ou legal.
Por aqui fazemos a nossa parte, deixando a vida dos idosos um pouco menos penosa, pelo menos quando ligarem para nossos clientes. O atendimento demanda alguns ajustes sistêmicos, organizacionais e humanos, demasiadamente humanos! Mas nada que seja impossível ou absurdamente caro.
O ambiente atual é favorável aos ajustes necessários, já que o decreto 6523-2008 contempla todo o tipo de cliente, independente da idade. E aproveitar para pensar nesse público seria extremamente propício. Que tal dar um presente à eles, que comemoraram ontem (27/09) o Dia do Idoso, e começar a ter cuidado e delicadeza ao ouvir e falar com gente que já viveu bastante e merece muito mais do que estão recebendo? Afinal, quem de nós pode negar a infalibilidade da velhice?
Simone Giudice é diretora estratégica da Daleth Callcenter.