Multa indevida

Autor: Flávio Alexander Delaqua Lucas
As empresas do setor de telesserviços têm entre as principais dúvidas trabalhistas a legalidade ou não do pagamento do acréscimo de 10% nas multas sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), quando das dispensas sem justa causa.
Antes de mais nada, temos de considerar que é público e notório que as empresas brasileiras estão submetidas a uma carga tributária elevada e a uma legislação fiscal cada vez mais intrincada e complexa. Há, por exemplo, uma tributação excessiva da folha de salários, uma vez que altos tributos incidem sobre os valores recebidos pelos empregados.
Além dos tributos pagos mensalmente sobre as verbas trabalhistas, uma outra exação incide sobre os valores pagos na demissão sem justa causa do empregado. É que, além das obrigações trabalhistas normais, como salários, férias, gratificação natalina e o pagamento de 40% da multa do FGTS, o empresário também arca, adicionalmente, com uma contribuição social no percentual de 10% em relação ao FGTS do empregado.
Essa última contribuição é um tributo exigido desde 2002, conforme disposto no artigo 1º da Lei Complementar nº 110/2001, conhecido popularmente como “multa de 10% do FGTS”. Tal obrigação implica num pesado encargo para as empresas, notadamente as do ramo de callcenter, pois a alta rotatividade de pessoal, característica desse tipo de atividade econômica, enseja um grande pagamento da contribuição.
Portanto, em relação ao FGTS, as empresas de call center são obrigadas a pagar o valor equivalente a 50% sobre todos os depósitos efetivados durante o contrato de trabalho, sendo que 40% é para o trabalhador e 10% é para o governo federal, em se tratando de dispensas sem justa causa.
Porém, a multa de 10% do FGTS tornou-se indevida a partir do mês de março de 2012, e, mesmo assim, vem sendo recolhida por todas as empresas brasileiras. Isso é devido ao exaurimento da finalidade da mencionada contribuição, sendo que, desde o início de 2012, a arrecadação do tributo está sendo direcionada a outro objetivo que não aquele proposto em sua origem, o que vai contra a natureza dessa espécie tributária.
De acordo com a lei instituidora, a finalidade dessa contribuição social foi a recomposição financeira das perdas das contas do FGTS sofridas pelos expurgos inflacionários, notadamente em razão dos Planos Econômicos denominados “Verão” (1988) e “Collor” (1989).
As contas do FGTS foram integralmente recompostas em razão de cerca de dez anos de pagamento do tributo, conforme declarou a própria Caixa Econômica Federal, por meio do Ofício n. 038/2012, o qual afirma que o saldo negativo já havia sido equilibrado.
Portanto, desde o mês de março de 2012, os valores arrecadados com a contribuição social de 10% do FGTS, estão sendo enviados para o caixa da União, uma vez que as contas do FGTS não são mais deficitárias. O tributo atualmente se destina ao pagamento de programas sociais do governo.
Cumpre ressaltar que, em razão do esgotamento da finalidade do tributo, o Congresso Nacional aprovou a sua extinção no princípio de julho de 2013, através do Projeto de Lei n° 200/2012. Mas, em razão de interesses outros, a presidente Dilma Rousseff vetou o referido projeto, afirmando expressamente que a supressão da contribuição traria problemas de caixa para o desenvolvimento do programa habitacional denominado “Minha Casa, Minha Vida”. Diante da resistência presidencial, os parlamentares votaram pela manutenção do veto e pela manutenção da cobrança da contribuição, mesmo indevida.
Porém, ficou claro, através do veto presidencial, o desvio da arrecadação da contribuição social para outros fins que não o da recomposição das contas do FGTS, o que enseja a possibilidade de interposição de ação judicial, por parte das empresas contribuintes, para reaver os valores recolhidos a título de tal contribuição social, pagos indevidamente, por conta do exaurimento de sua finalidade.
Cumpre ressaltar que, segundo alguns analistas econômicos, o FGTS seria superavitário desde 2007. Em janeiro de 2007, teria sido paga a última parcela dos expurgos. Por essa razão, desde então, não haveria mais necessidade de arrecadação da multa de 10%. De acordo com tal entendimento, a devolução dos valores pagos indevidamente, englobaria os últimos 5 (cinco) anos, por força da prescrição quinquenal das dívidas públicas.
Portanto, o manejo de ação judicial teria o condão de suspender a exigibilidade do recolhimento das multas de 10% sobre o FGTS, depositando-se o valor das mesmas em juízo, e também requerer a repetição do indébito referente aos valores recolhidos.
A supressão do pagamento da contribuição social analisada, é um importante instrumento de economia fiscal para as empresas de call center, dadas as características operacionais de tal segmento econômico.
Flávio Alexander Delaqua Lucas é advogado, professor universitário e associado do escritório Tavares, Yamazaki, Calazans e Vieira Dias Advogados.

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