O futuro do relacionamento

Autor: Alexandre Constantine
Com 2014 ficando no retrovisor, começo a me debruçar em como será 2015 e o futuro do relacionamento com clientes, tanto do ponto de vista receptivo (normalmente atendimento), como do ativo (normalmente venda ou cobrança). Tendências são sempre uma questão de opinião, mas há determinados assuntos que estão prementes aqui no Brasil. As empresas que estabeleceram processos focados nos seus clientes, principalmente utilizando tecnologia para facilitar essa abordagem, vêm se destacando ano após ano no mercado e têm sido reconhecidas pelos clientes. São notórias as diferenças de abordagem no relacionamento que empresas como Saraiva, Porto Seguro e Netshoes, apenas para citar algumas, têm com seus clientes, gerando uma imagem muito positiva e de preocupação em atender bem e melhor do que seus concorrentes.
Uma das abordagens de maior sucesso, e que essas empresas perceberam, é tomar consciência que no relacionamento com clientes a única coisa constante é a mudança. Contratar fornecedores na base da especificação e entrega e ponto final é um convite a uma rápida desatualização de sua abordagem ao cliente. As necessidades e desejos dos clientes, os produtos oferecidos, os meios de contato, as tecnologias emergentes e até mesmo os problemas nas empresas mudam todos os dias: evoluem e se modificam conforme os processos vão sendo monitorados e aperfeiçoados e uma abordagem estática na condução dos contatos, leva a uma frustração muito grande no processo de relacionamento.
A primeira tendência que tem se mostrado de grande sucesso no mercado local são contratos que permitem a evolução constante das tecnologias e processos implantados no contact center, utilizando-se de técnicas como PDCA ou Lean-Startup, ou seja, técnicas que permitam avaliar periodicamente o que foi implementado para identificar o que pode ser melhorado ou modificado, o que deve ser implementado de novo e o que deve ser abandonado, sempre com a perspectiva de como melhorar o relacionamento com o cliente.
Essa abordagem tem levado obrigatoriamente as empresas ao relacionamento multicanal. Os consumidores utilizam-se de diferentes formas de comunicação e o processo tem que ser contínuo, não pode ser iniciado do zero só porque o canal utilizado mudou. Hoje é comum o cliente procurar informações no site, entrar no webchat para dúvidas iniciais, utilizar autoatendimento para esclarecimentos adicionais, migrar para o telefone no aprofundamento da questão, confirmar pelo e-mail o que foi combinado e ser notificado do andamento do processo por SMS. Se ele consegue fazer isso tudo utilizando um aplicativo no celular, melhor ainda.
Aprofundando o aspecto da mobilidade crescente, os clientes já se acostumaram a utilizar aplicativos para facilitar o seu dia a dia e no relacionamento não será diferente, vide os valores envolvidos na transação do Whatsapp, por exemplo. No relacionamento com empresas, os aplicativos trarão segurança adicional com tecnologias complementares como NFC (Near Field Communication), impressão digital e biometria vocal, permitindo uma melhor identificação e verificação nos processos de atendimento, vendas e CRM. Haverá, com o uso dos aplicativos, um melhor balanceamento entre o autosserviço e o atendimento humano, uma vez que funções como URAs e atendimento automatizado de chats estarão incorporadas nesses aplicativos, melhorando a experiência do cliente e permitindo uma redução no tempo necessário para o atendente humano se familiarizar com os dados do cliente e mesmo com o problema apresentado: o cliente iniciará o atendimento no aplicativo, tentará resolver seu problema automaticamente e, se for necessário, quando for atendido por uma pessoa, essa receberá todos os dados e informações antes de iniciar o atendimento. Nesse sentido, a incorporação do processamento natural de linguagem, para melhorar e aprofundar o atendimento automatizado será fundamental e amplamente utilizado de agora em diante.
Com relação ao autosserviço, já passou da hora das empresas brasileiras realmente terem plataformas contundentes para os clientes. URAs humanizadas, uso de reconhecimento de voz em determinadas abordagens, webchats automatizados para atendimento dos clientes antes de serem transferidos para o atendente humano, discadores com URA reversa e sem o uso de pessoas numa primeira abordagem, FAQs inteligentes nos sites que tragam respostas automáticas e personalizadas (depois do cliente se identificar, busca informações específicas etc.), são tecnologias que já deveriam fazer parte do contact center das empresas, pois fazem parte de uma importante estratégia para melhoria do relacionamento com serviços funcionando 24×7, redução de custos e aumento da capacidade para relacionamento da crescente demanda experimentada na maioria das empresas brasileiras, que continuam crescendo a 2 dígitos a cada ano.
Continuando na linha de redução de custos, temos experimentado o trabalho remoto de atendentes, principalmente em home office, inclusive com alguma inclusão social de deficientes e pessoas que estavam fora do mercado de trabalho, como donas de casa e idosos. O projeto WebRTC começa a se tornar uma realidade e visa melhorar essa comunicação multicanal entre os clientes, o contact center e os atendentes. WebRTC é uma API em desenvolvimento elaborada pela World Wide Web Consortium (W3C) para permitir aos navegadores executar aplicações de chamada telefônica, vídeo-chat e compartilhamento ponto a ponto, sem a necessidade de plugins, uma verdadeira revolução para os aplicativos e sites serem mais ágeis na comunicação e troca de dados.
Na busca por uma melhoria constante no processo de relacionamento, o speech analytics passa a ser fundamental: processos automatizados que analisam milhares de gravações e buscam desvios comportamentais e de processos. Para os desvios comportamentais, o supervisor terá que montar um plano com ações individuais para cada atendente e pode compreender vícios de linguagem (como o famoso gerundismo), erros na condução do diálogo (não está seguindo corretamente o script ou então não está oferecendo as opções adequadas ao cliente) ou até mesmo mau comportamento (tratamento agressivo ou deselegante com o cliente). Para os desvios de processos, a área de contact center passa a ser um importante sinalizador interno de problemas que acontecem na empresa, disparando alarmes e cobrando para que os problemas sejam rapidamente solucionados pelos departamentos responsáveis. Normalmente, essas ações são mais em tempo real do que no pós-atendimento, gerando alarmes instantâneos nas telas dos supervisores e gerentes para que ajam imediatamente, não deixando os problemas se acumularem ou aumentarem.
Complementando esse processo de análise, há uma nova tendência que é usar o analytics aplicado no pós-atendimento. Essas análises consistem na integração de dados estruturados e não estruturados, facilitando a construção de visões únicas das interações realizadas pelos clientes, incluindo inclusive os diferentes canais que ele esteja utilizando (site, voz, chat, e-mail e sms). O objetivo dessas análises é ajudar as empresas a melhor entender os motivos e como os clientes interagem, quais os problemas que existem nos produtos e processos internos, quais e como são os processos de interação utilizados em diferentes canais pelos clientes e, a partir daí, conseguir estabelecer processos e interações de relacionamento sob medida, baseados nas experiências, desejos e necessidades reais dos clientes, eliminando o “achismo” no desenho do contact center. As empresas têm que ter mecanismos hábeis para analisar o histórico das interações com seus consumidores e preparar inteligentes ações preditivas, atuando na antecipação das necessidades dos seus clientes e diminuindo o efetivo contato humano, aumentando a qualidade do relacionamento: na Blackfriday várias empresas enviaram e-mails para seus clientes avisando que embora o pedido não aparecesse no site, ele fora efetivado e o cliente deveria aguardar 2 ou 3 dias.
Como uma tendência tecnológica a ser implementada internamente, vejo uma oportunidade muito grande de aplicação do conceito de gamificação para aumentar a produtividade e a performance dos atendentes. Como efeito colateral, as pesquisas indicam que, com a aplicação de gamificação, aumenta a retenção dos melhores funcionários e é significantemente mais fácil conseguir o engajamento dos colaboradores. Gamificação significa utilizar mecanismos de games e a experiência do design para, digitalmente, engajar e motivar pessoas para atingirem seus objetivos. O foco é sempre na qualidade e não na quantidade. Tem que ser transacional, trazer aspectos emocionais a quem participa, dar autonomia para as pessoas decidirem sozinhas, embutir o conceito de maestria (ou seja, as pessoas podem melhorar e se tornarem as melhores num determinado assunto) e, finalmente, ter um propósito (por exemplo, o desejo de fazer o que fazemos pode ser maior que nós mesmos). Um projeto de gamificação precisa trazer para os participantes: aumento da auto-estima (maestria, conquista, progresso, liderança, acesso, reconhecimento), capital social (badges, likes, amigos, grupos, status, reviews), diversão (descoberta, fantasia, surpresa, prazer, encanto, entusiasmo) e recompensa (prêmios, recursos, pontos, dinheiro).
Outra tendência, essa mais fortemente acontecendo nos países mais desenvolvidos do que no Brasil, vejo a absorção dos processos de relacionamento em mídias sociais pelo pessoal do contact center. Conheço inúmeras empresas que mantém o pessoal de marketing “cuidando” das redes sociais, mas, claramente, não há pessoas suficientes para darem conta da demanda que dia após dia só aumenta. Óbvio que uma pessoa formada em marketing, com um salário maior que o de um atendente, provê um atendimento muito melhor para o cliente. Mas as empresas não têm condições de absorver essa demanda no marketing e esse relacionamento obrigatoriamente, mais cedo ou mais tarde, terá que migrar para o contact center. A dúvida que fica é: quando será? Aliás, foi exatamente assim que nasceu a área de atendimento no passado. Pudéramos todos fôssemos atendidos por especialistas de marketing, não?!
Para finalizar, se a empresa tiver um fornecedor para cada tecnologia, serão no mínimo cinco fornecedores diferentes, cinco sistemas para administrar, cinco sistemas para integrar, diferentes formas de login, telas de produto e atuação diversas para agentes/atendentes/supervisores, diferentes relatórios, falta de uma visão única do seu contact center e do seu cliente. A tendência então é cada vez mais as empresas elencarem um fornecedor único para todos os canais, reduzindo tanto o custo com os fornecedores, como o custo de administração das tecnologias empregadas e de treinamento do pessoal.
Embora cada tecnologia empregada seja sofisticada e ótima, para o cliente tudo tem que ser simples e criar a oportunidade dele falar Uau! Quanto mais as empresas surpreenderem seus clientes e criarem experiências UAU!, mais fieis permanecerão esses clientes. A partir de agora, não se discutirá mais o porquê de se ter um contact center multicanal, empregando diversas tecnologias modernas, mas sim como tê-lo.
Alexandre Constantine é diretor executivo da VoxAge.

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