Por uma liderança responsável e (im) perfeita

Autora: Gabriela Viana
Confesso aqui meu incômodo com o tom messiânico que tantos artigos usam para tratar o tema da liderança no mundo corporativo. Um modelo de líder beatífico, ocupando um lugar semi-espiritual, intocável. Sempre que me deparo com um texto desses, tenho um primeiro pensamento: “Não conseguirei jamais ser essa pessoa”. E, na sequência, tenho outro: “Jamais conheci essa pessoa no mundo corporativo”.
Ao longo da minha carreira tive líderes maravilhosos. No entanto, nenhum deles era Jesus. E eu realmente não tinha a expectativa de que fossem. Me pergunto se as novas gerações que chegam ao mercado de trabalho, ao lidarem com a atual inflação do que esse papel representa, são capazes de ter a correta compreensão do que é liderança.
Também devo admitir que prefiro 800 páginas de um romance ruim a ler um best seller de autoajuda corporativa. Mas, como sou muito cara-de-pau, exercitei algumas máximas exatamente no estilo autoajuda empresarial – totalmente questionáveis e que não são necessariamente passos a serem seguidos – sobre minhas experiências com líderes e liderança:
– Ser um líder passa por ser reconhecido como tal. Não há cargo, entrevista ou espuma no LinkedIn que será útil se você não for reconhecido como líder no seu próprio grupo e empresa.
– Líder não é cargo, é uma capacidade – independe da hierarquia. Você quer e gosta de assumir responsabilidades? Está disposto a lidar com o risco e as partes ruins e inerentes de se colocar, de questionar, de cobrar, de ir adiante, de chamar para si? É um líder. Aliás, convivo com inúmeros líderes atualmente na Adobe – em diferentes cargos, idades e momentos. É um orgulho e um aprendizado vê-los em ação.
– Você pode até não gostar do líder. Isso não quer dizer que ele – ou ela – não seja um.
– Liderar, muitas vezes, está no ponto diametralmente oposto a fazer o que vá agradar às pessoas. Estabelecer uma visão e persegui-la com qualidade, determinação de ferro e ética pode eventualmente te render algum bem querer. Mas a imensa maioria de nós, durante grande parte do tempo, terá que “realizar sua visão” (assim, traduzido direto do inglês) – sem sermos bem quistos ou unânimes.
– Não ter como sua prioridade ser gostado não significa de maneira alguma ser maléfico, venenoso, político na pior acepção do termo. Não se exerce liderança maquinando, fazendo conchavos, arruinando reputações. Um líder não precisa exercer poder nas sombras – não precisa ser desleal ou disfarçar suas ideias e reais intenções. A transparência é sinal de que você tem o respeito e o reconhecimento dos seus pares e do seu time para se expressar de forma genuína.
– Um líder não consegue ser reconhecido como tal pela força. Nem apenas por obra da bondade. Aprendi muito com líderes que eram difíceis e turrões – e um outro tanto com líderes empáticos e bondosos. Mesmo que apenas em retrospecto, somos capazes de reconhecer quando aprendemos por meio da experiência com alguém. Cada vez que identifiquei que havia visão, competência, compromisso e o desejo de excelência, encontrei um líder. E nesses casos, fui liderada – mesmo que à contragosto.
– Não há falácia mais venenosa do que vender a ideia de que trabalho e vida pessoal agora são algo “fluido”, partes que se comunicam, família. Enquanto não pudermos trazer a avó para o trabalho, ou trocar as fraldas do filho no meio do escritório, precisamos reconhecer os espaços diferentes de trabalho e família. Quando o trabalho invade o espaço pessoal, isso não é fluidez – se não permite o fluxo contrário. E mesmo a amizade deve ser tratada com a ética que uma relação de trabalho exige. Poupar alguém de uma cobrança genuína porque é amigo, não é amizade, é irresponsabilidade.
– Nosso papel como líderes deve ser limitado, entre outras coisas, pelo reconhecimento de que você não demite seu pai ou seu filho. Estar consciente dessa diferença é base da ética na qual você se fia para não enganar, confundir ou enlouquecer ninguém – ou a si mesmo. A mesma ética que faz com que você prime pelas pessoas e também pela entrega.  
Talvez essas ideias sobre liderança estejam na direção oposta ao conceito de que o líder é um buda bondoso, uma espécie de líder espiritual, uma pessoa que age apenas no campo da persuasão, que tem uma visão, aponta uma direção, e então toca uma flauta atrás da qual hordas de felizes pessoas correm atrás. 
Times têm expectativas de que o líder saiba que “the bucket stops at the leader”. Ou seja, que o líder tomará não só as benesses do cargo e o eventual “status”, mas principalmente as dificuldades e a responsabilidade. Quando decidimos transformar todos os aspectos do mundo do trabalho – seja em startups, sejam grandes corporações – em ferramentas adicionais de marketing e persuasão, sem base em uma prática verdadeira, éticas, princípios – negamos uns aos outros a verdade e alimentamos a expectativa de algo irreal.
Devemos nos questionar se a idealização da figura empresarial é o caminho correto. Se as expectativas infladas sobre o que é liderança estão contribuindo para formar novos – e melhores – líderes.
Gabriela Viana é diretora de marketing da Adobe para a América Latina.

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