Você acerta nas curvas de cargos e salários?



Autor: Rafael Scucuglia

 

O que compõe o salário de um profissional? Sob o ponto de vista trabalhista, salários de igual valor serão os que forem feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica entre pessoas, cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos. É o tal do “paradigma salarial”. O artigo 461 da CLT define que, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. Já o artigo 460 cita que, na falta de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante.

 

Em suma: atividades iguais devem ser igualmente remuneradas. Para tanto, é irrelevante o nome dado à função, embora executem as mesmas atividades, de igual complexidade. Desta forma, quanto maior a complexidade da função, maior deve ser o seu salário.

 

Um outro componente que visivelmente impacta diretamente as faixas salariais é o nível de responsabilidades das funções. Espera-se, em teoria, que cargos com maiores responsabilidades (gerentes, por exemplo) sejam melhores remunerados.

 

Como pudemos observar, existe uma preocupação latente para resolver diferenças salariais internas. Uma mesma empresa não deve diferenciar, por meio de salários, funcionários que executam atividades e possuem responsabilidades semelhantes.

 

Além dos dois fatores citados (nível de complexidade e responsabilidade das funções), um terceiro fator, de ordem econômica, tem uma relação estreita com o nível salarial das pessoas. É a relação demanda/oferta do mercado de trabalho. Profissões com poucos especialistas receberão salários maiores. Profissionais assim posicionados são “disputados” pelas empresas. Em contrapartida, eventuais especialidades que possuam grande quantidade de mão-de-obra disponível, mesmo de alto nível de dificuldade técnica, podem ter salários subvalorizados. Esta é uma outra preocupação que uma empresa deve colocar em pauta: qual o seu posicionamento perante a esfera externa. Isso traduz o nível de competitividade da empresa em atrair talentos.

 

Neste contexto, é extremamente necessário que as áreas de RH, de tempos em tempos, avaliem se a gestão dos salários de uma empresa está alinhada com estes conceitos. Muitas pessoas rotulam este trabalho como uma “sondagem para verificar se os salários pagos são justos”. Aqui cabe pensarmos um pouco sobre o conceito de justiça.

 

Geralmente rotula-se “justiça” como o mecanismo que possui o objetivo de tratar todos de maneira idêntica. “Todos são iguais perante a lei”. Vamos raciocinar: você, leitor, gostaria de ser tratado de maneira idêntica a um homicida? Ou melhor – você se sentiria confortável se este homicida tivesse os mesmos direitos que você. É claro que não! A começar, um homicida vê vetado seu direito a liberdade. A justiça a poda. Se considerarmos, em seu aspecto mais raso, apenas esta definição, então, dentro de uma empresa, em tese, todos deveriam receber o mesmo salário. Com esta definição de justiça, este seria o mais adequado.

 

Na realidade, o conceito de “justiça” é diferente. É justamente o contrário. Justiça é o mecanismo que permite tratarmos os desiguais de maneira diferente. É a sistemática que viabiliza a aplicação de critérios desigualadores. Desta forma, na nossa sociedade existe um critério (lei) que determina que um homicida deve ser retido. A justiça aplica este critério. Dizemos, portanto, que é justo prendermos um homicida.

 

De maneira análoga, o que é um salário justo dentro de sua empresa? Só podemos responder essa questão se tivermos um critério claro e preciso para definição de níveis salariais. Precisamos de critérios desigualadores definidos. Esses critérios estão para o salário assim como a lei está para o homicida. É a regra que vai definir faixas salariais justas dentro de uma organização.

 

Sem a existência de tais critérios, é impossível responder à questão inicial desse texto: “você acerta nas curvas de cargos e salários da sua empresa?”. Sem tais critérios, a resposta é “não sei”. Ou “depende” (dos critérios). Aí entra a necessidade de estabelecermos estudos de curvas salariais metodológica e cientificamente validadas – de modo a promover a remuneração mais justa possível aos profissionais.

 

Mas, quais são esses critérios? Como defini-los de maneira consistente?

 

Diversas metodologias estão disponíveis no mercado. Muitos autores, na área de RH, desenvolveram estudos e teorias acerca deste mapeamento. Em todos eles, o maior desafio é como definir os critérios pelos quais os cargos serão avaliados. As mais comuns consideram a complexidade e níveis de responsabilidade dos cargos. Quanto mais complexas forem as tarefas realizadas pelo cargo e quanto mais críticas forem suas responsabilidades, maiores devem ser seus salários.

 

Em um estudo de cargos e salários completo, após definidos estes critérios, são conduzidos processos de avaliação dos cargos atuais. Para esta avaliação também existem diversas metodologias, mas a aplicação de análises de regressão é altamente recomendável. Trata-se de uma ferramenta estatística capaz de diagnosticar qual a curva perfeita da evolução salarial como efeito das causas pontuadas pelos critérios escolhidos.

 

O próximo passo é a realização de pesquisas salariais, com o objetivo de diagnosticar a curva de salários do mercado (sob o ponto e vista dos mesmos critérios adotados pela sua empresa). Essa pesquisa deve ser metodologicamente conduzida, de forma a garantir a retidão técnica e a isenção de vieses que poderiam impactar a credibilidade do estudo.

 

Neste ponto, duas análises são possíveis:

 

– Curva de salários da empresa versus curva de salários do mercado – só por meio deste estudo é possível saber se a empresa paga salários melhores, em que níveis de funções existem eventuais defasagens e que tipos de correções seriam necessárias. Este estudo aponta o posicionamento da empresa perante o cenário externo.

 

– Curva de salários da empresa versus salários individuais – este estudo permite identificarmos, como política pro ativa de análise, quais são os salários atuais que estão subvalorizados ou supervalorizados. Seriam os salários que, atualmente, poderiam ser rotulados como “injustos”. Quanto mais distante da curva de salários, mais injusto é o salário.

 

Tratam-se, geralmente, de estudos densos, com certo nível de complexidade, porém viabilizam uma exposição muito clara e precisa acerca de como a empresa está remunerando seu capital humano.

 

Sabemos que a tomada de ação decorrente de tais estudos trata-se de um segundo problema. Outros fatores precisarão ser considerados como relações sindicais, barreiras legais, alinhamento à CLT, etc. Conhecer o cenário, porém, por si só, já é um importante instrumento gerencial, pois viabiliza análises para planejamento e configura-se um instrumento de gestão altamente relevante – inclusive para o posicionamento estratégico das empresas com relação à política de remuneração vigente.

 

“Você acerta nas curvas de cargos e salários da sua empresa?” Se a resposta for “não sei”, é necessário estudar o assunto com maior profundidade, aplicando uma metodologia conhecida. Só assim é possível transformar essa resposta em “sim” ou “não”. Estudando o cenário, os diretores e gerentes de RH podem estruturar, cientificamente, uma política coerente com as estratégias organizacionais.

 

Rafael Scucuglia é diretor de operações e estatística da Gauss e responsável pela Divisão Pensees.

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