Autor: Edilson Menezes
Um erro imperceptível e muito além das questões semânticas é dizer “eu tenho fé”.
Fé não se tem como direito de posse, como objeto material. Fé se sente, de maneira subjetiva. E qual é a diferença entre ter e sentir fé?
Quando procura ter fé, o ser humano trata a credulidade como objeto de desejo. Pode-se ter o carro, a casa, as roupas, mas a fé não tem caráter de pertencimento. Quem tenta tê-la se perde nos caminhos da utopia, deixa de agir em favor daquilo que deseja e transfere para a fé a obtenção deste desejo. Em contraponto, quem sente a fé segue agindo com os próprios recursos e investindo o acúmulo de esforços para obter o que pretende. A expressão prática desse argumento pode ser observada quando perguntamos, por exemplo, se a pessoa realizou determinado sonho. Quase sempre a resposta é a seguinte:
– Tenho fé em Deus que vou conseguir!
Considero positiva a demonstração de fé, independente da corrente religiosa que a pessoa siga, porém cabe refletirmos sobre a fé pela fé, como se bastasse para solucionar os problemas.
Fé sem ação é insuficiente, assim como toda ação sem fé se torna mais difícil e menos factível.
Ainda que a pessoa não siga nenhuma religião ou adote convicções ateístas, é importante que sinta fé em si, pois não sentir fé nas coisas divinas é um direito que merece respeito. Por outro lado, se considerarmos o milagre de estarmos vivos e saudáveis, não sentir fé em si é quase um crime.
A fé é mais poderosa para quem a sente do que para quem a tem.
Madre Teresa de Calcutá não tinha fé. Ela sentia a fé e munida deste sentimento, construiu um legado de bondade. Chico Xavier jamais tentou ter fé. Sua vida foi norteada por amor e simplicidade. Ora, a fé que Madre Teresa sentia, por si, seria suficiente para lidar com as inúmeras críticas que recebera por suas polêmicas convicções acerca do controle da natalidade? Se Teresa de Calcutá permanecesse reclusa na ordem, cumprindo seus votos e vivendo pela fé, teria conseguido chamar a atenção do mundo para a piedade? A fé que o generoso Chico Xavier sentia teria sido suficiente para aplacar tantas acusações de charlatanismo que recebera?
A fé não é uma “qualidade”, mas um sentimento neutro de características. As duas personalidades marcantes dessa reflexão sentiram a fé e não tentaram tê-la como se fosse uma qualidade que as destacasse, outro erro comum que podemos constatar na vida em sociedade. Chico e Teresa colocaram a mão na massa, trabalharam enquanto tiveram força nas pernas e viveram norteados pela fé, ao invés de viver como detentores dela.
– Deus vai me ajudar por que eu tenho muita fé!
Esta frase é muito recorrente e gera outra reflexão:
Deus seria seletivo? Ajudaria João, “dotado de muita fé” e agiria em detrimento de Pedro, que não consegue sentir fé nas coisas divinas? Se assim o fizesse, onde estaria a misericórdia divina?
Imagine um bandido a caminho do assalto que pretende realizar na loja de cosméticos. Enquanto dirige o carro roubado, ele vai rezando, com muita fé, para que tudo dê certo e que consiga sair com vida após o crime. Do outro lado da cidade, ao mesmo tempo, a gerente desta loja de cosméticos, ateia por convicções, deixa o filho na creche e parte para o trabalho. Ela não sabe, mas dentro de alguns minutos, levará um tiro ao tentar acionar o alarme da loja, disparado pelo bandido que “foi trabalhar” com muita fé.
Não seria lógico e tampouco razoável supor que Deus tenha atendido as preces do bandido. Aí estão duas provas:
1. A fé é um sentimento neutro;
2. A fé pode ser tida ou sentida por pessoas de boas ou más intenções.
Julgar quem não carrega a fé no coração é no mínimo cruel. Conheço ateus dotados de extrema generosidade com os semelhantes, pois sentem fé na própria capacidade de fazer o bem. Além disso, a fé não é um acessório que se adquire. É um sentimento potencialmente enriquecedor, mas quase nulo se estiver desprovido de ação e movimento. Agora, imagine um trabalho realizado com ética, afinco, repleto de dedicação e bussolado pela fé, seja em si, na divindade ou em ambos.
Existe alguma possibilidade de dar errado?
A escolha, como sempre, é apenas sua!
Edilson Menezes é treinador comportamental e consultor literário. Atua nas áreas de vendas, motivação, liderança e coesão de equipes. ([email protected])