O cliente sempre tem razão. Uma senhora do interior do Paraná, que fez um transplante de rins, conseguiu em Campinas (SP) medicamento a preço compatível com suas posses. E recebia e tomava o medicamento em dia pré-determinado para evitar rejeição. Acreditando na pontualidade do Correios, a filha enviava o remédio religiosamente, no dia combinado. Mas, eis que em determinada vez a embalagem foi extraviada. Depois de cinco dias tentando resolver na agência local, o marido passou a acionar vários órgãos públicos, a Ouvidoria Geral da União e o Ministério das Comunicações. O caso chegou às mãos de Marcos Vinícius, Ouvidor do Correios. Ele lembra que, diante da situação, acionou um médico da empresa e decidiu pela compra de um medicamento similar, entregue à senhora. “O medicamento comprado era mais caro, mas a lição foi que, se a organização trabalhasse com foco no cliente, não precisaria passar por estes transtornos e desgaste com o cliente e dentro da própria organização, pois havia necessidade urgente de tomar uma decisão que poderia ser contrária a algumas normas internas”, lembra. Mas, o foco era primeiro atender à necessidade.
A grande surpresa dos profissionais da ouvidoria envolvidos na operação foi descobrir que o medicamento estava na agência. “Antes, porém, de entregar ao destinatário, os funcionários queriam identificar o responsável. Qual era o foco desse funcionário? Em processo, não no cliente”, conta Marcos Vinícius. Mais que contar uma história de sucesso do Correios, Marcus procura enfatizar a importância da consolidação das ouvidorias dentro das organizações, sejam elas públicas ou privadas. “Mas são ações muito incipientes no Brasil, sem legislação, política e cultura próprias”, avalia o executivo, o que o leva a pregar a disseminação de congressos, seminários e workshops. “Essa troca de experiência é muito importante, pois temos que aprender a fazer ouvidoria na prática”, pondera.
Ele fala sobre a experiência do Correios. O projeto começou a ser delineado ainda em 1996. Na época, instalou-se um grupo de trabalho para estudar sua viabilidade. Mas a diretoria acabou descontinuando-o, alegando falta de maturidade para implantar a estrutura. Outro fator que pesou foi o investimento que a companhia acabava de fazer em uma central de atendimento que, de certa forma, era um canal aberto ao cliente. “Naquele período, a então ECT (Empresa de Correios e Telegráfos) percebeu que não era possível avançar sem que houvesse um call center que desse suporte à ouvidoria”, recorda-se Marcos Vinícius.
Foi em 2002 que o Correios retomou o projeto, reformulou-o e, depois de uma pesquisa de mercado, decidiu pela sua implementação. O objetivo: funcionar como uma gestora do relacionamento com o cliente. Dentro do conceito, o call center e a internet são responsáveis pelo primeiro nível de atendimento, o segundo através de uma central própria que o Correios mantém de forma estratégica, o terceiro através da própria estrutura e, só no quarto nível, a ouvidoria. E seu papel é, a partir da identificação principalmente das reclamações, mas também de sugestões, orientar a revisão de processos. Ele reconhece a impossibilidade de acabar com as reclamações em uma grande organização.
Internamente, a criação da ouvidoria acabou gerando constrangimento com os profissionais das áreas de call center e de atendimento ao Fale Conosco por acreditarem na extinção de seus cargos. “Mas a prática mostrou que a missão foi exatamente o contrário: foi fortalecer esses canais”, justifica. “Nós não trabalhamos direto com atendimento a cliente, mas com processos. Somos uma ouvidoria pública com o diferencial de atuar em mercado monopolizado e de enfrentar concorrência com a iniciativa privada. Por isso, o foco oscila entre o cidadão e o cliente, ao mesmo tempo”, explica.
Para Marcos Vinícius, houve uma melhora significativa no primeiro nível de atendimento uma vez que o 0800 e a internet foram aprimorados, diminuindo ruídos na comunicação. “Antes não havia um canal para recebermos críticas e sugestões. Claro, se o cliente quisesse reclamar ele era acolhido, mas não tinha direcionamento. Hoje, temos uma URA dedicada”, explica. “Temos um indicador de prazo. Temos no máximo três dias para responder ao cliente. Não é uma simples resposta, é uma satisfação a quem se dirigiu até nós. Agora estamos forçando a empresa a melhorar a qualidade dessas respostas, além de procurar diminuir a recorrência e o tratamento dentro de cada área”, garante. Mas, o fundamental, para ele, é o fato de a organização ter se conscientizado das vantagens de uma política de relacionamento, que na maioria dos casos pode evitar aborrecimentos e até problemas com a Justiça. “E muitos podem ser facilmente sanados, se a companhia trabalhar com o foco no cliente”, afirma.