No Brasil, o número de pessoas com deficiência soma 18,6 milhões, o que corresponde a 8,9% da população
Autora: Ana Clara Schneider
Aquele dia de ofertas que virou uma semana de promoções e agora ocupa o mês todo de novembro. A Black Friday, celebração cada vez mais presente no Brasil, movimenta bilhões de reais todo ano. De acordo com a ABComm, entidade que representa o setor de comércio eletrônico, a expectativa de faturamento para esse ano é de R$ 7,93 bilhões no e-commerce brasileiro. E eu vou reforçar algo aqui, as empresas poderiam faturar muito mais.
A questão é que a maioria dos sites e aplicativos de e-commerce não é acessível, o que acaba prejudicando muito a experiência de uma pessoa com deficiência, que deixa de realizar compras por conta da dificuldade em finalizar o pedido, por exemplo.
No Brasil, o número de pessoas com deficiência soma 18,6 milhões, o que corresponde a 8,9% da população. Além de deixarem de lado potenciais consumidores e clientes (e, com isso, também faturamento), as marcas, por meio de seus sites nada acessíveis, também violam a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Em vigor desde 2016, a Lei dispõe que todos os sites estejam acessíveis, respeitando as disposições internacionais de acessibilidade. E o que percebemos aqui é que ainda são poucos os produtos digitais que cumprem com a Lei. Quando observamos o comércio eletrônico, a acessibilidade é ainda menos percebida.
São muitos os fatores técnicos e humanos que contribuem para a acessibilidade de um produto digital, desde cuidado e organização de conteúdo, respeitando uma hierarquia lógica de navegação e leitura, programação correta de componentes como botões, carrosseis de imagem, formulários, até a descrição correta das imagens nos textos alternativos, entre outras boas práticas. Isso vale tanto para sites como aplicativos. Mas como quase sempre, a barreira atitudinal das pessoas envolvidas na concepção e desenvolvimento desses canais, acaba sendo a pedra fundamental de todas as outras barreiras. O não reconhecimento do consumidor com deficiência como uma realidade, muitas vezes faz com que a acessibilidade fique de escanteio, despriorizada, até que algo provoque essa priorização – que na verdade deveria ser uma atividade contínua e não apenas pontual no desenvolvimento de um produto.
Uma pesquisa conduzida pela BigDataCorp revela que a experiência de uso de sites por pessoas com algum tipo de deficiência no país sofreu uma piora na acessibilidade. Para se ter uma ideia, em 2022, os organizadores avaliaram 21 milhões de sites ativos, um número 25% maior do que em 2021, e identificaram que 0,46% dos sites tiveram sucesso em todos os testes de acessibilidade aplicados, contra 0,89% da edição anterior. Ou seja, menos de 0,5% foi considerado acessível.
É importante reforçar que uma pessoa com deficiência precisa ter certeza de que seus dados são tratados de forma segura (LGPD) e elas podem não conseguir ter essa garantia dentro de um site não acessível. A experiência de carrinho de compras pode ser uma das mais inacessíveis – frustrantes – para uma pessoa cega, por exemplo.
Se no dia a dia, as marcas já deixam passar um potencial enorme de conquistar pessoas com deficiência como seus consumidores. Imagine durante a Black Friday então? Aquele momento em que todo mundo quer aproveitar um desconto especial, pode se tornar uma data marcada por momentos e lembranças ruins de compras frustradas ou de conquistas, celebração e bom atendimento. De qual lado sua empresa vai estar?
Ana Clara Schneider é fundadora e diretora executiva da Sondery.