Convidamos você, leitor, a lembrar se, como consumidor, já viveu uma das situações descritas abaixo.
Situação 1. Você liga para a central de atendimento do seu fornecedor. Depois de ouvir a célebre frase “Sua ligação é muito importante para nós” e de aguardar de 10 a 20 minutos, finalmente consegue falar com uma pessoa “real”. Ela registra seus dados, ouve seu relato, faz mais algumas perguntas e conclui que não pode ajudar. Avisa que vai transferir a ligação para “o setor responsável”. Para o novo atendente, e não pela última vez, você repete toda a sua história – que se encerra num “aguarde um contato”.
Situação 2. Você sobrevive à experiência de estar nas filas de check-in de um aeroporto brasileiro e se apresenta à atendente. Ela demora cerca de 2 minutos para localizar a sua reserva num sistema computadorizado on-line. Então, você ouve pela décima milésima vez: “Tem preferência de assento?”.
Situação 3. Durante uma viagem, você tenta fazer um pagamento pelo sistema on-line do seu banco. Digitadas as duas senhas de praxe, é solicitada uma terceira. Aí você se dá conta de que não está com a tabela das 50 senhas. Num ato de desespero (sua fatura vence amanhã!), liga para o serviço de auxílio 24 horas. Em vez de solução, é apresentada a sentença final: “Lembre-se de que as senhas são a sua segurança”.
Se você nunca passou por uma situação dessas, muito provavelmente mora na Suíça ou delega essas atividades a terceiros. Mas se é, como nós, um simples e mortal consumidor brasileiro, usuário de serviços financeiros, de transporte aéreo e de telecomunicações (para efeito desta análise, os serviços públicos serão poupados), terá dificuldade de lembrar de alguma experiência que o tenha encantado, superando as expectativas.
Curiosamente, a queda da qualidade dos serviços ocorre no momento em que lemas corporativos como “o cliente em primeiro lugar” ganham espaço nas declarações de missão das empresas e nas campanhas publicitárias. Isso não acontece apenas no Brasil, e mesmo aqui há organizações que escapam à regra geral. No entanto, algumas contradições se tornaram muito evidentes e, a nosso ver, merecem especial atenção dos gestores. Três delas merecem ser ressaltadas:
a) Mais ferramentas e menos poder. A constante melhoria da qualidade, a partir dos anos 80, tem colocado à disposição da linha de frente um sem-número de conhecimentos, ferramentas e dados que podem elevar o nível dos serviços prestados. Há recursos para qualificar os colaboradores de interface de forma que tenham maior poder de decisão e, com conhecimento de causa, respondam a necessidades específicas. Na prática, porém, as empresas terceirizaram as suas interfaces com os clientes deixando aos operadores o simples papel de “ouvidos e bocas”, tão rígidos são os scripts definidos.
b) Mais conhecimento do cliente e menos customização. Hoje os recursos da tecnologia possibilitam algo que há pouco tempo era tido como impensável: a reunião de dados completos, em tempo real, sobre as preferências e o comportamento do consumidor. A evolução do marketing de massa para o marketing de relacionamento personalizado permitiria criação de valor para o cliente, com o uso de tecnologias como data warehouse, data mining, ERP ou CRM. Em direção oposta, os serviços têm se submetido a uma crescente padronização.
c) Cultura relacional, clientes virtuais. A despeito de a cultura brasileira favorecer contatos reais – ou, mais do que isso, de a demanda no país ser de um contato pessoal e até mesmo afetivo -, as empresas de serviços criam clientes virtuais. Na feliz expressão de Naisbitt, a esperança da tecnologia moderna é aliar o high tech ao high touch. No Brasil, a burocracia institucional tem teimado em impedir ou dificultar que essa tendência possa ser capturada pelo sistema de valor. É favorecido o high tech, o low touch, o no touch.
Tudo se passa como se sistemas e processos organizacionais e de gestão conspirassem contra o valor dos serviços. O cliente é o problema, as ferramentas barreiras contra eles e os empregados seguidores de scripts. E se você acha que as empresas são penalizadas por isso, com a migração de clientes insatisfeitos para concorrentes mais eficazes, engana-se. Curiosamente, os setores mencionados, em particular o financeiro e o de telecomunicações, acham-se entre os mais rentáveis do país. Derradeiro paradoxo.
Alvaro B. Cyrino Betania Tanure são professores da Fundação Dom Cabral e da PUC Minas.