Maria Eduarda Trevisan Kroeff, advogada do RMMG Advogados e doutoranda em Agronegócios pela UFRGS

É mesmo Angus o que está na sua mesa?

É preciso que as entidades responsáveis adotem medidas capazes de identificar e mitigar os casos de ilícitos

Autora: Maria Eduarda Trevisan Kroeff

Em 2023, a bovinocultura de corte sofreu drásticas mudanças, com reflexos diretos na mesa do brasileiro. O rebanho bovino nacional aumentou cerca de 2,5% em número de cabeças, com ampliação de 10% no número de animais abatidos. Por outro lado, as exportações de carne vermelha sofreram queda de 11,7%. Como resultado da ampliação da oferta, a procura pela carne vermelha voltou a crescer no País. Segundo a Conab, o consumo de proteína bovina passou de 26kg para 29kg por habitante/ano.

Neste cenário, o mercado pátrio de carne premium igualmente avançou, com incremento de aproximadamente 20% em doze meses. O consumo da Carne Angus Certificada, por sua vez, ultrapassou 37kg por consumidor de produtos da categoria, segundo dados da Associação Brasileira de Angus. 

Diante da evidente valorização da carne certificada que retornou à mesa do brasileiro, pesquisa básica realizada no site do INPI verificou, em 2022, a existência de 554 processos para registro de marcas com o radical “angus”. Tais artifícios, com a finalidade de agregar valor ao produto comercializado — o qual, diga-se, não certificado e, na maioria das vezes, sequer de carne bovina —, claramente depreciam a reputação da marca, tradicionalmente conhecida por sua qualidade.

Daí não causar espanto que, dos resultados obtidos em 2022, somente 58 registros foram realizados pela Associação Brasileira de Angus. Em 2023, a seu turno, considerando o mês de novembro, o número de processos para registro de marca com radical Angus aumentou para 599, evidenciando alto grau de interesse dos empreendedores em carregar o termo nas embalagens de seus produtos. 

Para além das tentativas de atribuição da nomenclatura Angus a produtos que não o sejam, constatou-se a concessão de registro pelo INPI a uma grande rede de fast food, autorizando a utilização da nomenclatura “Angus Premium” em sanduíches de carnes bovina (não necessariamente de boi da raça Angus), suína e ou de peixe. Além da escancarada vulgarização e consequente usurpação da reputação construída pela Associação Brasileira Angus e pelo Programa Carne Angus Certificada, não são raros os casos de falsificação do selo da referida carne nobre certificada.

Considerando os dados de exportação de Carne Angus Certificada (que cresceu em 68% no último ano), bem como sua disponibilidade no mercado nacional (que, como exposto, cresceu 20%), o que se tem, na verdade, é maior oferta de carne identificada com o selo de certificação do que animais certificados abatidos anualmente — índice que sofreu aumento de 19,34% em relação ao ano anterior. 

Caso este “fenômeno”, designado como “multiplicação dos pães” por alguns colaboradores da Associação, não seja combatido mediante implementação de ferramentas internas na organização — como é o caso do programa de compliance —, estamos diante de um cenário que vai além da vulgarização da marca e da sua consequente desvalorização. É uma clara ameaça à segurança alimentar em níveis nacional e internacional, podendo, inclusive, atingir os índices de exportação por estar em desacordo com legislações como a Lei Pure Food and Drugs Act, que regulamenta a indústria alimentícia americana e impõe às organizações parceiras comerciais dos Estados Unidos a adoção do compliance.

Importa ressaltar que a fraude pode ocorrer em diferentes fases da cadeia, no frigorífico ou no comércio. Portanto, é preciso que a Associação, como toda a cadeia produtiva envolvida na produção da Carne Angus Certificada, adote medidas capazes de identificar e mitigar os casos de ilícitos, nos termos do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor. Também o fornecimento de informações suficientemente claras acerca do produto comercializado e da existência de falsificações, capacitando o consumidor a realizar uma escolha consciente nas prateleiras dos supermercados. 

Maria Eduarda Trevisan Kroeff é advogada do RMMG Advogados e doutoranda em Agronegócios pela UFRGS.

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