As ‘Casas de Factoring’ se caracterizam, à luz da legislação, como sendo prestadoras de serviços cumulativos e contínuos de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis ou de prestação de serviços a prazo. Por conta da expressão ‘vendas mercantis’, esses serviços e a compra de créditos são voltados para sociedades empresariais com o intuito de fomentá-las ou incrementá-las nas suas atividades. Aliás, é o fomento ou incremento o espírito da atividade em comento.
Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, várias ações revisionais de contratos de factoring têm no seu teor, comumente, invocado o diploma legal ora mencionado, cujo desiderato consiste na proteção de consumidores finais (art. 2°, caput, CDC) de uma típica relação de consumo ou àqueles que a eles são equiparados (§ único do art. 2°, arts. 17 e 29).
Assim sendo, a nossa proposta, aqui neste artigo, consiste em saber se a relação entre as ‘casas de factoring’ e os seus clientes são ou não relações típicas de consumo para justificar a incidência do CDC nas discussões judiciais.
Para uma relação jurídica ser de consumo, à luz da jurisprudência do pretório-mor sobre a matéria: o egrégio STJ, é preciso que o consumidor tenha adquirido produtos ou serviços para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade. Para explicar, sem muita digressão, a condição de vulnerabilidade, invoquemos exemplo constante de uma decisão do sodalício citado, mais precisamente o Resp 716877-SP, da lavra do Min.-Relator: Ari Pargendler, cujo trecho elucidador abaixo transcrevemos:
(…)
A noção de destinatário final não é unívoca. Pode ser entendida como o uso que se dê ao produto adquirido. Sob esse viés, seria consumidora a pessoa jurídica que utilizasse o produto para fins não econômicos. Isso poderia reduzir a proteção legal do consumidor a pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa. A doutrina e a jurisprudência, por isso, vêm ampliando a compreensão da expressão ´destinatário final´ para aqueles que enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade.
Nessa linha, uma pessoa jurídica de vulto que explore a prestação de serviços de transporte tem condições de reger seus negócios com os fornecedores de caminhões pelas regras do Código Civil. Já o pequeno caminhoneiro, que dirige o único caminhão para prestar serviços que lhe possibilitarão sua mantença e a da família deve ter uma proteção especial, aquela proporcionada pelo Código de Defesa do Consumidor. A propósito, José Geraldo Brito Filomeno extrai da doutrina estrangeira um exemplo muito apropriado à espécie sub judice:
“… o homem que dispõe de um caminhão apenas para conduzir seu negócio é um consumidor com relação ao grande fabricante do caminhão com relação ao qual dificilmente se poderia dizer que tivesse igual poder de barganha” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 8ª edição, Forense Universitária, pág. 33).”
No exemplo dado, o pequeno caminhoneiro é vulnerável porque lhe falta o poder de barganha como se verifica numa empresa de vulto que explore a prestação de serviço de transporte. É o que podemos chamar de vulnerabilidade econômica.
Além deste aspecto, há outro que consiste em estabelecer os casos de não incidência do código consumerista. Dentre estes casos, colacionamos a idéia de que sendo o consumo de produto ou serviço intermediário o tal codex não é incindível.
Diante dessas premissas postas, resta saber se os clientes das casas de factoring são ou não consumidores de bem ou produto como destinatários finais ou intermediários.
Vimos, no início, que as empresas de fomento têm por espírito o incremento da atividade empresarial, cujos recursos obtidos da cessão do crédito, quando esta ocorre, são aplicados no capital de giro. Se verdadeira essa assertiva, tais clientes são consumidores intermediários, já que o capital de giro é um insumo ou um dos fatores para a produção econômica-empresarial.
Por outro lado, se uma empresa-cliente da casa de factoring se encontrar numa situação de não conseguir barganhar valores ou percentuais de deságios, ou seja, se achar na condição de vulnerabilidade econômica, pode vir a ser considerada como consumidora final, independentemente de o serviço ou produto adquirido for para consumo final ou insumo.
Em conclusão, se uma casa de factoring se relaciona com um empresário que se encontra em situação de vulnerabilidade econômica, ou seja, sem poder de barganha para negociar valores, certamente, em tal caso, o CDC incidir-se-á. Mas, se tal não ocorre, não há que se falar em proteção legal consumerista.
Alexandre Machado é advogado, sócio da Machado Advogados e Consultores Associados.