Há preocupação antitruste na economia de dados?

Autor: Edmardo Galli
Durante uma década, as empresas que lidam com inovação e dados passaram de empreendimentos criados em universidades – as chamadas startups -, ou de companhias de status médio, para algumas das corporações mais valiosas do mundo. Fazem parte desta seleta lista gigantes de e-commerce, redes sociais e mecanismos de busca, até fabricantes de computadores e gadgets. Em pouquíssimo tempo, nasceu esta nova e lucrativa indústria, baseada em Big Data. De acordo com dados da consultoria IDC, esse grupo de empresas terá um faturamento total de cerca de US$ 203 bilhões em 2020. Para efeitos de comparação, este número foi de “apenas” US$ 130 bilhões em 2016.
Como toda indústria que tem alguns poucos e gigantes players envolvidos, as empresas que lidam com dados passaram a sofrer pressão de reguladores antitruste por diversos motivos. Entre eles, está o enorme poder que essas corporações adquiriram. Elas são, hoje, parte quase vital do cotidiano de bilhões de pessoas ao redor do globo. Uma enorme gama de serviços, cada vez mais essenciais, foi construída com base na tecnologia, mais precisamente nos dados que são capturados, processados e disponibilizados por esses big players. Sem falar nos negócios e empregos criados, e que dependem dessas informações para se sustentar.
É justamente o poder intrínseco desses grupos que vem chamando a atenção das autoridades antitruste. E olhar essa questão sob a perspectiva do mundo digital, revela questões urgentes que devem ser consideradas. Na maioria dos países, a legislação antitruste foi criada há décadas, idealizada para lidar com grandes conglomerados do petróleo ou da comunicação pré-era digital, por exemplo, e naquele momento fazia sentido dividir esses gigantes em empresas menores para garantir um mercado mais aberto e competitivo. Além disso, no universo digital há um complicador que até então não existia, e que perpassa todas as empresas envolvidas: os dados.
Ao contrário das grandes empresas criadas no passado, os gigantes da economia baseada em dados dificilmente serão sobrepujados por alguma grande mudança tecnológica. Mesmo porque eles investem pesadamente em novas tecnologias, tentando ditar e criar as tendências do futuro próximo – e não tão próximo. Assim, a aquisição de uma empresa de gadgets de realidade virtual por uma rede social ou o desenvolvimento dos carros inteligentes por um gigante de buscas não são ações aleatórias, mas movimentos muito bem planejados. É uma tentativa de criar o futuro, e não de controlar tendências.
Outro ponto importante é que é praticamente impossível que esses gigantes sejam deixados em segundo plano por uma nova empresa que ofereça um serviço ou solução disruptiva, como uma startup criada na garagem de casa. O motivo: todas as empresas médias ou pequenas que lidam com dados, e que poderiam ser uma ameaça, estão inseridas, de um modo ou de outro, nos ecossistemas desenvolvidos por esses big players.
Os dados também tornam obsoleta a aplicação dos métodos antitruste comuns nas empresas do mundo digital. Por exemplo, se um gigante da economia de dados for dividido em três empresas menores, em pouco tempo uma destas voltará a ser dominante. O motivo é que, virtualmente, não há limites para o acúmulo de dados. Seus volumes sempre aumentarão, devido à própria natureza da informação. Ao acumular volumes cada vez maiores de dados, uma empresa criada pelo desmembramento de um antigo gigante do mercado será novamente elevada à condição de referência para as empresas menores de seu ecossistema. A característica de funcionamento em rede é intrínseca às empresas que lidam com dados. E em médio ou curto prazo, essa nova gigante, fruto da divisão da corporação original, voltará a levantar preocupações das autoridades antitrustes.
Mas como as operações dos gigantes digitais deveriam ser encaradas então? O ponto fundamental é a transparência. Por um lado, as pessoas deveriam poder saber quais dados seus estão sendo coletados pelas empresas e com que finalidade. Além disso, deveria haver isonomia em relação à disponibilidade do Big Data entre as empresas de todos os portes. É óbvio que os gigantes do mercado investiram bilhões para criar a infraestrutura necessária para a captação desses ativos, mas eles poderiam ser compensados de alguma maneira por esse compartilhamento.
As autoridades, por sua vez, precisam entender que o mundo digital não é uma moda passageira, mas o novo status quo e, neste sentido, trazer para mesa de discussão representantes das empresas, do meio acadêmico e da sociedade civil, para discutir as bases do mundo digital que queremos ter, é adequar o ambiente regulatório para lidar com as especificidades que esta realidade exige. Se a economia de dados realmente possui a pretensão de aprimorar o modo de vida das pessoas, então a sociedade deve começar a debater, com seriedade, como as informações referentes a cada um de seus membros estão sendo utilizadas e de que maneira devem ser compartilhadas como forma de assegurar a privacidade e beneficiar a todos.
Edmardo Galli é CEO Latam da IgnitionOne.

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