Autor:
Paulo Al-Assal
“O melhor da vida é o passado, o presente e o futuro”. A frase do cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini está impregnada de um pensar contemporâneo, um comportamento emergente denominado “temporalização” – tendência que é destaque no Trend Report 2010, detectada por um conselho acadêmico multidisciplinar coordenado pela Voltage. Mesmo o mais desatento percebeu que o ‘retrô’ tem permeado a moda, o cinema, as ruas, o design de marcas e o comportamento. As musas ‘cool’ do momento como Katy Perry e Zooey Deschanel, têm um certo charme retrô; o veículo mais desejado hoje é o mini Cooper; e a marca de leite condensado mais famosa do Brasil tem uma embalagem propositalmente “nostálgica”. Quais são os drivers e condutores sociais que estão associados a essa tendência que ultrapassa as fronteiras estéticas?
Antes de analisar a tendência ‘temporalização’ propriamente dita, lembro que o comportamento humano é movido por aspirações, sentimentos, desejos, sensações, escolhas, anseios, atitudes, ideias e hábitos. Essa combinação se torna a matéria-prima para compreender e ler a complexidade do indivíduo contemporâneo. Outro ponto relevante é que comportamentos atuais e futuros estão interligados, por essa razão é que defendo a necessidade de observar, interagir e interpretar o indivíduo para levantar quais são os drivers sociais. É relevante salientar que o papel de “consumidor” é tão somente uma das facetas do ser humano. Concluído o preâmbulo necessário, devemos nos ater ao contexto socioeconômico mundial, ou seja, ao “cenário” que proporcionou o desenvolvimento da tendência.
Estamos diante de um movimento comportamental coletivo caracterizado pela busca da segurança do passado; a segurança representada pelo que nos é conhecido. O sentimento coletivo de “perda de controle”, de colapso geral da sociedade e de valores estabelecidos, tem motivado essa busca pelo conhecido – que ultrapassa conceitos estéticos e comportamentais manifestados na estética vintage. A nova busca é reunir atributos do passado à tecnologia do futuro no espaço presente, um universo “atemporal” no formato e no conceito. Com um ritmo de vida acelerado, o indivíduo passou a procurar “respiros” e a utilizar a criatividade para criar conexões modernas entre o passado e o futuro. Na nova ótica sob a qual percebe o futuro, o ser humano não demonstra a pretensão de manipulá-lo ao seu bel-prazer; há a noção de que as ações têm consequências e que as atitudes do presente alteram o amanhã. Por esse prisma, a relação passado – presente – futuro ganha contornos de humanização.
No contexto histórico, as últimas décadas têm sido marcadas pelo alargamento do presente, no qual o conceito de passado e futuro cede espaço para intensificação da vivência do “agora”. Esse desprendimento do tempo, porém, tem conduzido à fragilização da identidade, uma vez que “aquilo que se é” não possui razão na história e não gera perspectiva. Na sociedade contemporânea a tendência é outra e o tempo não é mais visto como um inimigo. O ontem, o hoje e o amanhã coexistem de forma pacífica e emerge a percepção de que lembrar o passado e imaginar o futuro são formas de humanizar o dia a dia, de produzir respiros e de compensar o ritmo acelerado de vida. A segurança do passado e as benesses tecnológicas do futuro se mesclam e pulsam no presente.
Há expressões-chave que expressam as manifestações práticas da ‘temporalização’ e que sinalizam comportamentos associados à tendência. Veja quais são:
– Resgate da consciência: retomada da existência e dos efeitos do tempo, embora não de forma linear. Trata-se de uma concepção negociada do tempo que leva à sobreposição e recuperação, no presente, de fragmentos do passado.
– Vintagismo: o vintage, associado aos estilos que marcaram época, e a estética retrô pós-moderna passam a conviver com o presente. Assim, ao mesmo tempo em que resgatam objetos, os indivíduos resgatam também um pouco de seu contexto e de sua história, dando significado particular e único a objetivos que os religam a outro tempo.
– Busca por origem: o indivíduo passa a desejar localizar, conhecer ou narrar a origem de fenômenos tradicionais ou não. Na percepção do consumidor, quando algo tem história, passa a ter razão de existir, produz mais sentido. Nesse ínterim, as pessoas aceitam celebrar a duração dos objetos e dedicam a eles atenção e respeito.
– Artesanomania: a valorização do artesanato, da simplicidade e do provinciano expressam o desejo de experimentar um outro tempo, seja um outro momento na história ou um outro ritmo, mais lento.
Captar a tendência da ‘temporalização’ em toda a sua amplitude e alinhar investimentos à demanda do consumidor contemporâneo é o desafio dos gestores de empresas e marcas, especialmente diante da necessidade de criar produtos e serviços inovadores. O êxito da sobrevivência da marca está proporcionalmente associado à capacidade que os gestores têm de conhecer os movimentos emergentes, as tendências propriamente ditas.
Paulo Al-Assal é fundador e diretor-geral da Voltage.
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