As políticas adotadas no setor precisam ser continuamente revistas a fim de garantir que as estratégias de negócios reflitam o momento vivido pelo mercado de trabalho
Autora: Cláudia Abdul Ahad Securato
Durante muito tempo as prioridades dos trabalhadores eram claras: segurança, estabilidade e longa permanência em uma empresa ou carreira. Por décadas, essa foi a narrativa predominante no mundo do trabalho, o que refletia na postura das empresas ao organizarem locais de trabalho, planos de carreira e benefícios e estratégias de negócios.
No entanto, o cenário está passando por uma transformação radical. As tendências atuais apontam para uma busca por flexibilidade no trabalho, equilíbrio entre a vida profissional e dedicação familiar, aprendizado contínuo e foco na satisfação pessoal. As empresas que já se deram conta disso e souberam se adaptar aos novos interesses dos empregados estão colhendo os frutos de sua força de trabalho mais motivada e engajada.
Dentre os elementos que estão em voga no mundo corporativo, o trabalho remoto e híbrido ganhou destaque, permitindo que os trabalhadores escolham onde e como desempenham suas funções, sem se prenderem ao comparecimento presencial obrigatório em horário comercial.
Esse tema vai ao encontro da busca pela flexibilidade e pela harmonização entre vida pessoal e profissional. A possibilidade de trabalhar de casa, mais próximo da família, ou mesmo em qualquer lugar do mundo é um atrativo para quem não quer mais perder tempo útil no deslocamento até o trabalho, preferindo dedicar essa energia às demais áreas da própria vida.
Outra abordagem que tem movimentado o mercado de trabalho é a expansão do trabalho por projeto, isto é, aquela forma de contratação pela qual o profissional especializado é contratado para concluir tarefas ou projetos específicos.
O trabalho por projeto já era conhecido em áreas como desenvolvimento de softwares, construção civil, eventos e entretenimento, e está se expandindo para abranger áreas como produção de conteúdo para mídias digitais, educação e treinamentos. Essa forma de contratação oferece oportunidades para os trabalhadores diversificarem suas carreiras e adquirirem networking e novas habilidades continuamente, e permite às empresas acessarem profissionais altamente especializados de forma pontual e produtiva.
Mais um tópico em destaque é a ideia de que uma única carreira está sendo substituída pela exploração de múltiplas carreiras ao longo da vida e, em alguns casos, simultaneamente. Se antigamente a transição de carreira era algo visto com certa suspeita, ou sinônimo de não ter obtido o sucesso em suas escolhas profissionais, atualmente é mais comum vermos profissionais plenamente realizados e que ainda assim mantém atuação paralela em diversas frentes. Isso foi potencializado pela possibilidade de trabalho em casa, e pode vir da mera necessidade de complementação de renda, mas também do interesse em profissionalizar hobbies e demais interesses pessoais, ou simplesmente se realizar em tarefas diferentes do dia a dia.
Mais uma questão relevante para o mercado de trabalho é o fato de que a força de trabalho moderna é diversificada, com várias gerações e faixas etárias trabalhando juntas. Cada geração tem suas próprias expectativas e valores em relação ao trabalho, suas exigências e interesses.
Para atender às necessidades de todas as gerações e conciliar seus interesses com os das empresas, é necessária uma abordagem mais flexível e adaptável às políticas trabalhistas.
A principal legislação trabalhista brasileira, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) do Brasil foi criada em 1943, e apesar de já ter passado por diversas reformas, ainda tem em seus fundamentos muitas das pautas decorrentes da época em que foi publicada.
Muitas das políticas trabalhistas tradicionais foram elaboradas em um mercado de trabalho de contexto industrial e voltadas para garantir segurança no trabalho e estabilidade aos trabalhadores, por serem essas as prioridades da época e por consequência, os temas com maior necessidade de proteção.
Agora, o Direito do Trabalho enfrenta desafios significativos. As normas trabalhistas podem não estar alinhadas com as novas prioridades dos trabalhadores, como flexibilidade e qualidade de vida.
Exemplificativamente, já chegou à Justiça do Trabalho a discussão a respeito do direito à desconexão, no âmbito do trabalho realizado remotamente. Com a quebra das barreiras entre o trabalho e a vida pessoal trazida pelo aumento do home office, é frequente a situação de empregados serem acionados fora do horário comercial, e se sentirem compelidos a atenderem demandas, por estarem sempre conectados ao trabalho, mesmo fora do local tradicional da empresa.
Outro desafio a ser esclarecido é como ficam os empregados contratados por projeto, mas que acabam sendo continuamente acionados, de forma que a empresa mascara uma relação tradicional de vínculo de emprego.
Ainda, como lidar com as novas gerações de trabalhadores, que já nasceram conectados às redes sociais, em um mundo de comunicação pública de diversos temas, e podem ter visões diferentes sobre como lidar com obrigações e hierarquias tradicionais? Já chegou ao poder judiciário a discussão sobre a validade de demissão por justa causa contra empregado que publica em suas redes sociais pessoais determinadas manifestações vistas como prejudiciais à imagem da empresa. A lei não tem uma previsão clara a respeito, é preciso analisar caso a caso e ter em mente a intenção do empregado, e o contexto cultural em que ocorreu a suposta violação à reputação da empresa.
As políticas trabalhistas precisam ser continuamente revistas, para garantir com que as estratégias de negócios reflitam o momento vivido pelo mercado de trabalho. A CLT e demais legislações com certeza precisam se reinventar para abordar as necessidades atuais, garantindo com que haja previsibilidade nas relações de trabalho e com que os direitos dos trabalhadores sejam protegidos, independentemente do modelo de trabalho escolhido, para viabilizar segurança e satisfação pessoal.
Cláudia Abdul Ahad Securato é sócia da Securato & Abdul Ahad Advogados.