Rodrigo Battella, diretor da divisão de serviços financeiros e pagamentos na Blip

Conversa: o novo motor de receita das empresas brasileiras

Canais de mensageria, como o WhatsApp, mensagens diretas e apps de conversa em geral, deixaram de servir apenas para funções de atendimento ou suporte

Autor: Rodrigo Battella

Vivemos um momento inédito na história dos pagamentos. E não é exagero dizer isso, afinal, vivemos a adoção massiva, o avanço do Pix e a entrada no Universo de Open Finance, além do crescimento das fintechs rumo ao ambiente conversacional. Há, porém, um movimento ainda mais relevante em curso: a integração natural entre pagamentos e conversas, que vem sendo uma grande revolução: essa novidade está mudando a forma como os consumidores interagem com as marcas, compram delas e, principalmente, confiam nelas. Está mudando também o que as empresas precisam fazer para escalar, conquistar e reter clientes. 

Canais de mensageria, como o WhatsApp, mensagens diretas e apps de conversa em geral, deixaram de servir apenas para funções de atendimento ou suporte. Hoje, eles são o palco da relação entre marcas e pessoas, muito além de um chatbot funcional. O jogo que está em curso agora é muito maior: as empresas precisam não só atender, mas criar experiências fluidas, personalizadas e seguras em um ambiente cada vez mais pessoal e, mais do que nunca,  transacional. 

Pagar sempre foi relacional

Para muita gente, pagar é a experiência mais transacional que existe. Mas ela também é uma relação. Nascido em algum ponto do século passado, cresci vendo minha mãe indo à boca do caixa do banco para sacar dinheiro. Naquela época, mesmo na relação mais simples, ela esperava ser bem atendida e confiava seu dinheiro a um estranho, como o gerente do banco – que poderia usar sua influência para melhorar ou piorar a experiência ali. O mesmo acontecia na padaria, no restaurante ou na hora de pedir um desconto comprando roupas. 

Anos depois, esse mesmo tipo de relacionamento (personificado e de confiança) está conquistando o WhatsApp. A diferença é que agora há uma interface conversacional – humana ou automatizada – que precisa entender quem eu sou, do que preciso e quais serão meus próximos passos. 

É uma transformação que não aconteceu por acaso – e que está mais adiantada no Brasil do que em outros países. Somos um ambiente privilegiado: temos um órgão regulador (o Banco Central) que tem se mostrado aberto à inovação, promovendo segurança, interoperabilidade e iniciativas como o Pix e o Open Finance. Ao mesmo tempo, temos um público hiperconectado, que usa intensamente os canais de mensagem e que valoriza — muitas vezes mais do que preço — a qualidade do atendimento e da experiência. 

É nesse encontro entre infraestrutura tecnológica e comportamento cultural que nasce o pagamento conversacional.

Confiança e fluidez: os novos pilares da conversão

A primeira barreira para que um pagamento aconteça é a confiança. Não custa lembrar que o dinheiro é uma abstração. Um dia, alguém disse que um pedaço de papel ou de metal tinha valor e poderia servir para trocar objetos. A troca, porém, só acontecia se os dois lados da transação acreditassem nisso. Desde os tempos mais remotos, a confiança sempre foi necessária. 

Ela também vale no mundo digital: a diferença é que, agora, o consumidor não precisa mais de cédulas, moedas ou mesmo de um cartão de crédito. As compras podem acontecer com um clique — ou até com uma simples resposta afirmativa — desde que a empresa conte com a confiança do cliente para acessar seus dados.

É uma fluidez poderosa, mas que carrega consigo um paradoxo. Ao facilitar demais a jornada, podemos gerar experiências tão suaves que o usuário nem percebe que está comprando. Para alguns negócios, isso pode significar mais conversões no curto prazo. Mas, se mal calibrado, também pode prejudicar a relação no longo prazo, gerando dúvidas, arrependimentos ou até endividamento. É a quebra da confiança. 

Não à toa, os pagamentos conversacionais exigem um novo tipo de responsabilidade. Não basta reduzir a fricção. É preciso garantir clareza, consentimento e, acima de tudo, integridade no uso de dados e abordagens. É uma discussão humana: cada vez mais, o desafio não será tecnológico (“como cobrar”), mas sim de confiança (“como garantir que esse processo seja ético, seguro e benéfico para ambas as partes?”). 

Justamente por isso, o atendimento é um fator crucial dessa nova era. No passado, um gerente que quisesse saber como seus clientes estavam sendo atendidos deveria apenas olhar para a fila do banco. No mundo digital, é possível medir em tempo real se uma interação foi cordial, se a linguagem usada foi adequada e se houve solução ou frustração. Com o uso de IA e análise de dados conversacionais, já é possível corrigir fluxos, adequar respostas e ajustar o tom de voz com base no comportamento do consumidor. 

Mais do que tudo, é possível fazer isso em escala. Com as ferramentas certas, é possível adaptar a experiência de uma forma hiperpersonalizada, sem perder o controle sobre a jornada. A melhor parte? Se bem aplicada, essa abordagem libera tempo dos atendentes humanos para focar em atividades de maior valor — como lembrar de datas especiais, resolver questões complexas ou, simplesmente, construir relacionamentos. Nada como um bom dedo de prosa, não é mesmo? 

O desafio da escalabilidade (e da integridade)

O maior desafio para as empresas hoje não está na tecnologia, que não só já está disponível como pode ser moldada às diferentes necessidades de cada segmento e de cada organização. O problema, porém, está na capacidade de escalar todas as soluções da melhor maneira . Como garantir que uma fatura chegue à pessoa certa, no momento certo, no canal certo? Como promover pagamentos recorrentes com consentimento claro e informado? Como fazer tudo isso respeitando as normas de segurança, LGPD, compliance e a experiência do usuário?

A resposta está na combinação entre soluções robustas, inteligência contextual e visão de longo prazo – todos atributos que não são de uma máquina, mas sim da beleza do cérebro humano. As empresas que entenderem isso sairão na frente. Não é preciso perder tempo pensando aonde a conversa acontecerá, pois ela estará em todos os lugares em que o consumidor desejar estar. O cerne da questão é transformar esse canal, qualquer que ele seja, em uma plataforma de negócios com a mesma fluidez de uma conversa com um amigo – e a mesma confiança que se tem ao olhar um gerente de banco nos olhos.

No fim das contas, tudo volta ao relacionamento, porque o pagamento é apenas um passo dentro de uma jornada muito maior. No Brasil, um país quente e afetivo, essa jornada precisa ser sensível, humana e personalizada. Quanto mais os canais de pagamento se parecerem com uma conversa real — e menos com um processo frio e mecânico —, maior será a conversão, a fidelização e o valor percebido pelas marcas. 

Não se trata de uma tendência, mas de um fato inevitável. Quem entender isso já estará no amanhã. Quem não entender, porém, ainda precisará enfrentar fila, senha e caneta presa por correntinha para conseguir sacar o futuro. E ele não aceita cheque. 

Rodrigo Battella é diretor de soluções financeiras e do ecossistema de pagamentos na Blip.

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