Com uma visão holística, as propostas de renegociação podem ser adaptadas à realidade financeira de cada cliente, evitando soluções genéricas que não atendem às suas necessidades
Autora: Helena Pini Formiga Passos
A revista Central Banking, publicação especializada que acompanha 140 instituições financeiras de todo o mundo, concedeu no ano passado o título de “Banco Central do Ano” ao Brasil. Dentre os motivos para esse reconhecimento estão a transformação digital – que permitiu integrar tecnologias e estratégias digitais para otimizar as operações, esforços para inclusão financeira e o aprimoramento do ecossistema de pagamentos instantâneos.
O título concedido ao Banco Central é um dos fatores que mostram o alto grau de evolução do sistema bancário brasileiro, considerado um dos mais modernos do mundo. Uma das revoluções em curso, que já está trazendo benefícios tanto para empresas quanto para seus clientes, é o já difundido Open Finance.
Entre os benefícios de transparência e personalização, o Open Finance também permite mais agilidade na resposta às demandas por crédito. Para os credores, o principal benefício obtido com o Open Finance é a diminuição do risco de inadimplência. Com informações precisas e confiáveis sobre cada usuário, é possível conceder crédito com mais qualidade. Além disso, o acompanhamento em tempo real das transações financeiras do cliente permite ações preditivas, antecipando-se a eventuais interrupções no pagamento da dívida contraída. Diferente dos birôs de crédito tradicionais, o Open Finance permite acesso a saldos reais e atualizados, renda por movimentação bancária, gastos e comportamento financeiro ao longo do mês. Neste cenário, a recuperação de crédito deixa de ser reativa e passa a ser uma estratégia de relacionamento inteligente com o cliente.
Com o acesso a essas informações, também é possível entender a capacidade real de pagamento de quem tem uma dívida (cruzando dados de renda, gastos e outros compromissos financeiros), avaliar devedores com potencial de pagamento (como trabalhadores informais com saldo positivo, mas com score baixo), identificar momentos ideais para contato (como após uma entrada de receita via Pix, por exemplo) e, ainda, ofertar propostas sob medida – planos de pagamento mais adequados ao perfil do devedor aumentam a taxa de aceitação.
O uso do Open Finance nas negociações de dívidas permite uma abordagem mais assertiva e personalizada, pois fornece acesso a informações financeiras detalhadas e atualizadas dos devedores. Com essa visão holística, as propostas de renegociação podem ser adaptadas à realidade financeira de cada cliente, evitando soluções genéricas que não atendem às suas necessidades. Isso não só aumenta as chances de acordos bem-sucedidos, como também fortalece a confiança do devedor, que percebe que a empresa está oferecendo uma solução justa e alinhada com sua capacidade de pagamento, ao invés de seguir práticas rígidas e impessoais que podem resultar em frustração para ambos os lados
Obtendo dados relevantes dos usuários do sistema bancário, as instituições também são beneficiadas em seus processos de análise. Na concessão de crédito, elas podem definir ofertas de acordo com a capacidade de pagamento e os interesses dos clientes. Isso inclui parâmetros como categoria de produto, valor máximo e prazo a serem concedidos e até definição da melhor data de abordagem para a oferta de serviços, de acordo com a programação financeira de cada pessoa.
Outra vantagem é um maior estímulo à portabilidade e à diversificação de fornecedores de serviços e investimentos. Dependendo da atratividade do produto oferecido, o cliente pode abrir conta na empresa que fez a oferta, onde ele não era usuário. É possível, também, contratar apenas funcionalidades específicas, como seguro e previdência privada, mesmo não sendo correntista da instituição.
Escopo do Open Finance é amplo
Até o momento, o Open Finance soma aproximadamente 93 milhões de consentimentos, sendo 60 milhões de CPFs únicos e cerca de 690 mil CNPJs, com mais de 3,2 bilhões de chamadas de API por semana. Isso representa o enorme potencial da plataforma, que envolve não apenas bancos tradicionais ou digitais, mas também cooperativas de crédito, consórcios e instituições de pagamento, dentre outros.
O cenário de crescimento do Open Finance ganhou ainda mais impulso com a Resolução Conjunta do Banco Central nº 10, de 4 de julho de 2024. Ela estabeleceu que a partir de janeiro deste ano ficaram obrigadas a participar da plataforma todas as instituições cujo número de clientes seja superior a cinco milhões.
Dessa forma, o Open Finance inaugura uma nova era para a recuperação de crédito no Brasil. Com dados precisos e atualizados, é possível sair do modelo de cobrança tradicional e massificado para um novo paradigma: inteligente, preditivo, eficiente e centrado no consumidor. Empresas que investirem desde já na compreensão e aplicação estratégica do Open Finance estarão melhor preparadas para reduzir a inadimplência, aumentar a recuperação e melhorar o relacionamento com seus clientes.
Chegou o momento de as empresas aproveitarem as oportunidades proporcionadas pelo Open Finance, investindo em soluções inovadoras, como algoritmos avançados e transformação digital. O grande volume de dados processados, aliado à agilidade das interações entre instituições financeiras e clientes, exigirá estratégias cada vez mais preditivas, tanto na oferta de produtos relacionados ao crédito quanto na garantia de segurança na prestação de serviços.
O potencial do Open Finance se multiplica quando integrado a tecnologias como Inteligência Artificial (para leitura, classificação e previsão com base nos dados), tokenização e blockchain (para segurança, rastreabilidade e automação de contratos) e marketplaces de crédito (onde o consumidor poderá comparar e negociar ofertas com base no seu perfil real).
Na etapa de acompanhamento do cliente, após a contratação do produto, o Open Finance traz um importante benefício: ele permite que a cobrança, um procedimento que pode ser desgastante para as instituições, em sua relação com os clientes, entre em uma era em que seu sucesso não depende de insistência, mas de uso da inteligência.
Helena Pini Formiga Passos é head de dados e planejamento da Recovery.