Nathalia Fujii, gestora e head de marca da DEA Design

O comportamento do consumidor mudou e as marcas deveriam fazer o mesmo

Sai a lógica da aspiração e entra a lógica da identificação, baseada em proximidade, autenticidade e pertencimento

Autora: Nathalia Fujii

Nos últimos anos, o modo como as pessoas se relacionam com as marcas mudou de forma profunda e, muito provavelmente, de forma irreversível.  

A revolução digital, as transformações sociais e as novas gerações de consumo deslocaram o ponto central do branding, de uma disciplina centrada em discurso e estética para um território que se constrói por meio de comportamentos, experiências e presença cultural.

Hoje, não compramos apenas produtos ou serviços, compramos histórias, atitudes e valores com os quais nos identificamos. Nesse contexto, as marcas que se destacam não são aquelas que apenas têm algo a dizer, mas as que agem de forma coerente com o que dizem. Ou seja, as marcas deixaram de ser meros discursos para se tornarem presenças.

Da aspiração à identificação

O consumidor contemporâneo (e aqui não estou falando apenas da Geração Z) quer se ver nas marcas com as quais se relaciona. Sai a lógica da aspiração – que idealizava estilos de vida e padrões inalcançáveis – e entra a lógica da identificação, baseada em proximidade, autenticidade e pertencimento.  

Essa tendência é global: segundo uma pesquisa da Givsly (2025), 88% dos consumidores escolhem marcas que se alinham aos seus valores pessoais. A meu ver, essa mudança comportamental do consumidor se apoia em três pilares principais:

1. Autenticidade: O “imperfeito” ganhou vez. Marcas que mostram vulnerabilidade e humanidade ganham credibilidade.  

É o caso do Duolingo, que transformou o humor e o autodeboche em linguagem cultural da marca nas plataformas digitais.

2. Propósito prático: O propósito deixou de ser uma promessa para se tornar uma evidência cotidiana, que permeia todas as decisões de negócio das marcas.  

Podemos citar a Patagônia, que em 2022 decidiu que, a partir daquele ano, todo o seu lucro seria doado para causas ambientais; e a Allbirds, ao criar produtos a partir de sobras de tênis e roupas que teriam fim em aterros, mostrando que voltar à essência e agir com coerência gera inovação e resultados.

3. Pertencimento e participação
As pessoas não querem apenas consumir produtos ou serviços, querem fazer parte de algo maior. Desejam colaborar, opinar e cocriar com as marcas.  

A Lego Ideas, por exemplo, permite que fãs enviem ideias de novos conjuntos que, se aprovadas, viram produtos reais (com direito a remuneração para os criadores). Já a Olympikus se reinventou ao, atenta à cultura da corrida, inovar em produtos e transformar a nova paixão dos brasileiros em um senso de comunidade, conectando corredores por meio de aplicativos e eventos locais.

Assim, vemos que as marcas mais relevantes são as que incluem o público na sua história, transformando consumidores em protagonistas da experiência.

O digital como espelho da cultura

Se antes o digital era um canal de comunicação, hoje é o ambiente cultural onde marcas e pessoas coexistem em um mesmo patamar.  As redes sociais deixaram de ser vitrines e se tornaram ecossistemas de comportamento. Nesse cenário, as marcas passaram a se comportar como pessoas: com voz, humor, opinião e vulnerabilidade. Netflix e Melissa são marcas que vão além da comunicação em suas redes: elas conversam com seus públicos.

O físico como território da experiência

Enquanto o digital se torna onipresente em nossas vidas, o espaço físico ganha novo valor: o de ser prova sensorial e emocional da marca.  Com a aceleração tecnológica dos últimos anos e o isolamento durante a pandemia, o encontro e as trocas no presencial voltaram a ser um luxo e um ativo estratégico para as marcas.

As lojas e escritórios deixaram de ser pontos funcionais para se tornarem palcos narrativos e de conexão. São lugares onde a marca ganha textura, som, cheiro e presença. O design, as ambientações, as experiências, o atendimento e até o silêncio comunicam algo.

A Aesop, por exemplo, abre suas lojas inspirando-se no contexto local (história, arquitetura, materialidade), mas mantendo os principais valores da marca: o tempo, o ritual e a experiência, trazendo para seus espaços o bem-estar e a autenticidade.

E o espaço físico como território de experiência não se limita apenas a espaços B2C: é também uma oportunidade para ambientes que recebem colaboradores. É o caso dos escritórios do Google, que materializam seu espírito de inovação, conectando-se com a cidade e com o público local, estimulando a colaboração e a cocriação, além de engajar seus milhares de colaboradores com uma forte comunicação nos espaços.

Em resumo, são espaços que não existem apenas para vender ou reunir pessoas, mas para materializar a essência da marca.

Marcas como organismos vivos

As marcas que prosperam hoje entendem sua identidade como um sistema vivo, com princípios claros e expressões múltiplas. 


Ser coerente, nesse contexto, não é sempre fazer a mesma coisa, é preservar a essência, mesmo quando a forma muda. Isso se apoia em três fundamentos:

  1. Essência clara: saber o que a marca defende e por que existe.  
  2. Cultura interna viva: equipes que entendem e traduzem o propósito no dia a dia.  
  3. Flexibilidade de expressão: adaptar linguagem, estética e comportamento a cada contexto sem perder a consistência necessária.

As marcas que se destacam e ultrapassam mudanças ao longo do tempo não são as mais rígidas, mas as mais adaptáveis e coerentes ao mesmo tempo.

Construir marca é acompanhar a cultura

Vivemos um tempo em que as mudanças culturais são praticamente diárias. Nesse contexto, construir marca é menos um projeto e mais um processo contínuo de sensibilidade e leitura do mundo.  

O branding de hoje não é um manual cheio de regras, mas uma conversa aberta com o público, com o tempo e suas mudanças. Requer escuta, coragem para mudar e clareza de essência — essa, sim, é inegociável.  

Porque, no fim das contas, as marcas são um reflexo da cultura ao seu redor. 

 E a cultura nunca permanece estática.  

Por isso, mais do que se posicionar, é preciso saber agir com coerência.  

Se você leu até aqui, já entendeu que amanhã tudo pode mudar. Inclusive o que está escrito aqui.

Nathalia Fujii é gestora e head de marca da DEA Design.

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